quinta-feira, 11 de junho de 2015

CASÉ E A FERIDA DE JOÃO BARROS

Texto de Aloisio Guimarães

Lá em casa moravam 11 pessoas: meus pais, os oito filhos e a empregada. Digo "empregada" por força de expressão uma vez que as empregadas de antigamente eram meninas pobres, criadas pelas famílias, sem salário, em troca de comida e roupa.
Nós tínhamos a Judite, que chegou adolescente e saiu adulta, para ir trabalhar na cidade do Rio de Janeiro.
Resumo da ópera: era muita gente para alimentar, “fora o resto” (sapato, roupa, livro, caderno...), e o salário de meus pais era uma merreca. Acho que a nossa renda familiar deveria ser, no máximo, três salários mínimos. Era um verdadeiro sufoco que meus velhos passavam para colocar comida na mesa. Por conta disso tudo, tanto eu como qualquer um dos meus irmãos tem autoridade para falar sobre a Fome.
Isto posto, vamos ao causo...
Em Palmeira dos Índios, vivia um cidadão, de nome João Barros, que tinha uma daquelas feridas crônicas, enorme, que tomava quase toda a sua perna direita. Quando as pessoas se aproximavam de onde ele estava, mudavam o olhar, fugindo da visão desagradável da sua ferida. João Barros morreu e não conseguiu se livrar da dita cuja.
O meu irmão Casé tinha um verdadeiro nojo e pavor da ferida de João Barros! Pense num cara cheio de nojo! Pensou? Era o Casé!
Pois bem...
Na hora do almoço, pelo tamanho da nossa família e salário baixo dos meus pais, como já expliquei, tudo era contadinho: 1 concha de feijão, 2 colheres de arroz, 1 bife, 1 banana (quando tinha), um copo de Q-suco e farinha à vontade.
Muitas vezes a fome era grande que não dava para ficar só no contadinho, tínhamos que ser criativos... Então, sabendo do nojo do Casé pela ferida do João Barros, na pura maldade, no almoço, quando o papai não estava, senão “o couro comia”, algum de nós falava para outro:
- Rapaz, você viu como está feia a ferida do João Barros?
Pronto, era o suficiente: o Casé não comia mais nada, abandonava o prato e saia da mesa, chorando e xingando todo mundo!
Ora, se Casé não queria mais comer, só nos restava como opção dividir a comida que ele não queria mais. Quem seria capaz de jogar comida fora, não é mesmo?
Era uma maldade que fazíamos com o nosso irmão. Coisas de crianças...
Hoje, achamos graça, inclusive o Casé, que já não deixa de comer por nada neste mundo, mesmo que João Barros esteja à sua frente.
- Casé, meu irmão, te amo!

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