sexta-feira, 7 de outubro de 2016

DISCRETAMENTE

Texto de Carlito Lima

Nove meses após o casamento do Dr. Romero e Dona Marilena nasceu Maria Aparecida; ano depois veio Ana Maria. As duas eram xodós da mãe, Dona Marilena, como se brincasse de boneca, vestia as duas iguaizinhas, andavam juntas, estudavam juntas, só não pareciam gêmeas porque Cidinha era branca, igual à mãe, e Aninha, morena, como o pai.
Na adolescência a primeira revolta, acabaram esse negócio de se vestirem iguais. Aos 13 anos, Aninha, mais esperta, já havia beijado um namoradinho. Cresceram na praia da Pajuçara. A juventude dos anos dourados era uma festa, apareceram namorados, Henrique amava Aninha que amava João que amava Cidinha que amava Henrique, assim, nesse círculo amoroso, passou o tempo. Para desespero e dor de corno de Henrique, João namorou Aninha, engravidou, noivaram e casaram em uma festa bonita no sítio dos pais na Massagueira, beirando a Lagoa. No dia do casamento, sem esperança de Aninha, Henrique cedeu aos encantos de Cidinha, começaram namoro, em dois anos casaram-se na mesma casa, no mesmo terraço, no mesmo jardim.
Anos passaram, os dois casais unidos em torno da família, vieram filhos para alegria dos avós. Dr. Romero comprou três apartamentos no mesmo prédio onde foi morar, deu um a cada filha, facilitando a visita constante dos netos, para felicidade de Dona Marilena.
Entretanto, a vida é um relâmpago como disse o poeta Lêdo Ivo, de repente um infarto, Dr. Romero caiu fulminado no chão de sua cozinha onde gostava de se deliciar com carnes gordurosas e as pernas das empregadas, tinha o pecado de gostar de mulher, às vezes se distraia com raparigas arranjadas por Audálio, o motorista.
Os genros tomaram conta dos negócios do sogro, inclusive uma fazenda lucrativa, eles se davam bem, corretos, os negócios continuaram a dar sustento de classe média alta para família. Entretanto, João percebia, era visível o carinho, o desvelo, de Henrique por sua mulher, tinha ciúme contido para o bem da família.
O destino tem seus caprichos. Certa noite os dois casais saíram para uma festa, muito vinho, comida, bebida. Ao voltar, João dirigia em velocidade, Henrique pediu para desacelerar, João virou a cabeça:
- Está com medo?
Nesse momento, um estrondo, um jipe vinha no sentido contrário bateu de lado, o carro virou duas vezes, gritos de dor. Custou a chegar socorro. Todos levados ao hospital foram atendidos, apenas João precisava maiores cuidados, ficou internado, entrou em coma, morreu uma semana depois. Maior tristeza para família, muita dor, contudo, a vida continuou.
Um ano após a morte de João, Cidinha inventou uma viagem, um cruzeiro às Ilhas Gregas. Deixaram os filhos com a avó. Na Itália, tomaram um transatlântico de luxo, duas semanas visitando as românticas, Miconos, Patmos, Lesbos, entre outras. No navio, toda noite depois do jantar, dançavam, se divertiam, arranjavam paqueras para Aninha, sempre rejeitados discretamente. Certa noite a orquestra tocou "As Time Goes By", Aninha pediu permissão à irmã pegou na mão de Henrique, puxou-o, dançaram lentamente. Aninha abraçava o cunhado, olhou em seus olhos perguntando:
- Lembra da música, vimos o filme juntos no Cinema de Arte?
Ele sorriu.
- Inesquecível, está guardada em minha mente e coração, já assisti "Casablanca" 300 vezes pensando em você.
Aninha sorriu. Ele continuou:
- Somos adultos, quase velhos, entretanto, amor não envelhece, nunca deixei de lhe amar, todos sabem, inclusive João, ele sabia. Só agora confesso a verdade, apenas para nós dois, casei-me com Cidinha para estar perto de você.
Calaram-se, abraçaram-se, juntaram o rosto. Nesse momento Henrique sentiu uma mão leve nas costas, a esposa comunicava cansaço, ia se recolher, ficassem mais um pouco. Dançaram apertados. Discretamente entraram no camarote da cunhada e se amaram pela primeira vez com toda ternura recolhida que tinham para dar.
Dia seguinte, no café da manhã, os três felizes, alegres, conversavam sobre o que viria na continuação. Ao retornarem, contaram as aventuras à família e aos filhos, mostrando fotos da viagem linda maravilhosa...
Henrique, hoje, aos 63 anos, vive bem com Cidinha, a esposa, em seu apartamento. Vez em quando, encontros de amor, ternura e carinho com Aninha, a cunhada.
Os três sabem, discretamente...

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