quinta-feira, 31 de agosto de 2017

NO TEMPO DA MINHA INFÂNCIA

Texto de Ismael Gaião

No tempo da minha infância...

Nossa vida era normal.
Nunca me foi proibido
Comer muito açúcar ou sal.
Hoje tudo é diferente,
Sempre alguém ensina a gente
Que comer tudo faz mal!
Bebi leite ao natural,
Da minha vaca Quitéria
E nunca fiquei de cama
Com uma doença séria!
As crianças de hoje em dia
Não bebem como eu bebia
Pra não pegar bactéria...
A barriga da miséria
Tirei com tranquilidade,
Do pão com manteiga e queijo
Hoje só resta a saudade.
A vida ficou sem graça,
Não se pode comer massa
Por causa da obesidade.
Eu comi ovo à vontade,
Sem ter contraindicação,
Pois o tal colesterol,
Pra mim, nunca foi vilão...
Hoje a vida é uma loucura!
Dizem que qualquer gordura
Nos mata do coração...
Com a modernização,
Quase tudo é proibido,
Pois sempre tem uma lei
Que nos deixa reprimido...
Fazendo tudo o que eu fiz,
Hoje me sinto feliz,
Só por ter sobrevivido...
Eu nunca fui impedido
De poder me divertir,
E nas casas dos amigos
Eu entrava sem pedir...
Não se temia a galera
E naquele tempo era
Proibido proibir.
Vi o meu pai dirigir,
Numa total confiança,
Sem apoio, sem air-bag,
Sem cinto de segurança...
E eu, no banco de trás,
Solto, igualzinho aos demais,
Fazia a maior festança!
No meu tempo de criança,
Por ter sido reprovado
Ninguém ia ao psicólogo,
Nem se ficava frustrado.
Quando isso acontecia,
A gente só repetia...
Até que fosse aprovado.
Não tinha superdotado,
Nem a tal dislexia...
E a hiperatividade
É coisa que não se via.
Falta de concentração
Se curava com carão
E disso ninguém morria.
Nesse tempo se bebia
Água vinda da torneira,
De uma fonte natural,
Ou até de uma mangueira...
E essa água engarrafada
Que diz-se esterilizada
Nunca entrou na nossa feira.
Para a gente era besteira
Ter perna ou braço engessado,
Ter alguns dentes partidos,
Ou um joelho arranhado...
Papai guardava veneno
Em um armário pequeno
Sem chave e sem cadeado.
Nunca fui envenenado
Com as tintas dos brinquedos,
Remédios e detergentes
Se guardavam, sem segredos.
E descalço, na areia
Eu joguei bola de meia
Rasgando as pontas dos dedos.
Aboli todos os medos
Apostando umas carreiras
Em carros de rolimã,
Sem usar cotoveleiras...
Pra correr de bicicleta
Nunca usei, feito um atleta,
Capacete e joelheiras.
Entre outras brincadeiras
Brinquei de Carrinho de Mão
Estátua, Jogo da Velha,
Bola de Gude e Pião,
De mocinhos e Cowboys
E até de super-heróis
Que vi na televisão.
Eu cantei Cai-Cai Balão,
Palma é palma, Pé é pé,
Gata Pintada, Nesta Rua,
Pai Francisco e De Marré.
Também cantei Tororó,
Brinquei de Escravos de Jó
E do Sapo não lava o pé.
Com anzol e jereré
Muitas vezes fui pescar
E só saía do rio
Pra ir pra casa jantar.
Peixe nenhum eu pagava,
Mas os banhos que eu tomava
Dão prazer em recordar.
Tomava banho de mar
Na estação do verão,
Quando papai nos levava
Em cima de um caminhão.
Não voltava bronzeado,
Mas com o corpo queimado,
Parecendo um camarão.
Sem ter tanta evolução
O Playstation não havia,
E nenhum jogo de vídeo
Naquele tempo existia.
Não tinha videocassete,
Muito menos internet,
Como se tem hoje em dia.
O meu cachorro comia
O resto do nosso almoço...
Não existia ração,
Nem brinquedo feito osso.
E para as pulgas matar
Nunca vi ninguém botar
Um colar no seu pescoço.
E ele achava um colosso
Tomar banho de mangueira,
Ou numa água bem fria,
Debaixo duma torneira.
E a gente fazia farra
Usando sabão em barra
Pra tirar sua sujeira.
Fui feliz a vida inteira
Sem usar um celular.
De manhã ia pra aula,
Mas voltava pra almoçar.
a mãe não se preocupava,
Pois sabia que eu chegava
Sem precisar avisar.
Comecei a trabalhar
Com oito anos de idade,
Pois o meu pai me mostrava
Que pra ter dignidade
O trabalho era importante,
Pra não me ver adiante
Ir pra marginalidade.
Mas hoje, a sociedade
Essa visão não alcança
E proíbe qualquer pai
Dar trabalho a uma criança.
Prefere ver nossos filhos
Vivendo fora dos trilhos,
Num mundo sem esperança.
A vida era bem mais mansa,
Com um pouco de insensatez.
Eu me lembro com detalhes
De tudo o que a gente fez,
Por isso tenho saudade
E hoje sinto vontade
De ser criança outra vez...