quarta-feira, 14 de março de 2018

O BARALHO

POSTAGEM: ALOISIO GUIMARÃES

Durante uma missa celebrada na capela no quartel da policial militar, o sargento observou que um dos soldados, ao invés de acompanhar o rito religioso no jornalzinho da igreja, tirou da algibeira um baralho e ficou o tempo todo analisando os naipes e cartas, sem dar atenção ao que se passava no altar, olhando as cartas, demoradamente, com ar de quem estava meditando.
O sargento, muito austero, repreendeu o soldado e ordenou-lhe para, depois da missa, acompanhá-lo até a sala do Comandante. Sem dar muita bola para a bronca do sargento, o soldado continuou olhando, uma por uma, as cartas do baralho.
Tão logo terminou o culto, ele procurou o sargento e, juntos, foram até a sala do Comando Geral para comunicar a falta disciplinar cometida pelo soldado, passível de punição. Depois que o sargento relatou a sua grave indisciplina, o soldado pediu desculpa ao Comandante e procurou justificar o seu comportamento durante a Missa:
- Senhor Comandante, se eu errei perante os olhos do sargento, sei que não errei perante os olhos de Deus! Não me sobra dinheiro para livros. Em nenhum momento perturbei a Missa; permaneci calado durante todo o tempo. As coisas são boas ou más, dependendo de quem interpreta. Os naipes e cartas do baralho são o meu livro de orações. Para mim, substituem os livros devotos e espirituais, como eu passo a vos provar: o AS, lembra-me um só Deus, criador do Céu e da Terra; DOIS, são o Velho e o Novo Testamento; TRÊS é mistério da Santíssima Trindade; QUATRO, os quatro Evangelistas; CINCO, as virgens prudentes que foram adiante do Esposo com as lâmpadas acesas, enquanto as outras cinco, chamadas néscias, foram excluídas por terem as suas apagadas; SEIS, a criação do mundo em seis dias; SETE, o descanso do Senhor ao sétimo dia; OITO, as oito pessoas que se salvaram do dilúvio, a saber, Noé, seus três filhos e suas mulheres; NOVE, os nove leprosos; eles eram dez, mas só um soube render graças ao Salvador; DEZ, os Mandamentos da Lei de Deus; VALETE, o Judas, que por trinta dinheiros vendeu Jesus Cristo; DAMA, a rainha de Sabá e a sua visita a Salomão e o REI do Céu e o da Terra, a quem devo servir, ao do Céu, como meu Soberano. As cinquenta e duas cartas do baralho lembram-me muito as cinquenta e duas semanas do ano, as doze figuras, os doze apóstolos e os doze meses. Este baralho me serve de Velho e Novo Testamento, de Catecismo, de Folhinha e de Divertimento.
O Comandante ouviu a narrativa do soldado, e, com ironia, comentou e perguntou:
- Notei uma falta na sua relação. O Valete também é chamado de “Cavalo”... Que ideia lhe recorda esse animal?
O soldado respondeu:
- O cavalo, Senhor Comandante, é o sargento que aqui me trouxe. A atitude dele representa o coice desse animal.
O Comandante ficou sensibilizado com o que ouviu do soldado e o dispensou, sem punição alguma.

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