quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

O PAPA-FIGO

 Texto de Aloisio Guimarães

Na realidade o nome correto seria "Papa-fígado". O erro fica por conta da ignorância do matuto nordestino.
Talvez, várias histórias, como as de “Papa-figo”, tenham surgidas da cabeça dos pais, querendo, através do medo, disciplinar a vida dos filhos, fazendo com que eles ficassem sempre em casas ou que voltassem cedo para casa, quando saíssem para a rua. E olhem que, quando éramos crianças, não existia toda essa violência dos dias atuais.
- E que diabo era o "Papa-figo"?
- O "Papa-figo" seria um sujeito idoso, barba branca, que sequestrava as crianças e arrancava-lhes o fígado para comer!
Antigamente as crianças tinham medo de tudo porque nada sabiam e nada conheciam. Não existia internet, nem televisão, nem celular... Assim, todas as vezes que surgia um boato como esse era difícil encontrar uma criança na rua. O meu irmão Casé não fugiu à regra: o seu maior medo era do "Papa-figo"!
Vamos ao causo:
Certo dia o meu pai mandou o Casé ir comprar bebidas, no Armazém do “Seu” Mancinho, que ficava na Praça do Açude, para abastecer "O Senadinho" (nosso bar). O Casé encheu o “carrinho de mão” com garrafas vazia e foi comprar as tais bebidas... Minutos depois, quando a gente menos espera, chega o Casé, “mais branco do que folha de papel ofício”, sem nada das bebidas que tinha ido comprar e pede um copo com água, dizendo que estava morrendo de sede.
E não é que o cara tinha abandonado o "carrinho de mão" na rua, com as garrafas e dinheiro da compra dentro e vindo tomar água?! Ainda bem que naquele tempo não tinha tanto ladrão... Se ele perde o dinheiro, levaria uma surra daquelas!
Pois bem, apesar de receber a água, ele não tomava nenhuma gota do líquido e não deixava de ficar olhando para a rua. Ficamos curiosos com a atitude do Casé...
Minutos depois, passa um senhor, de barba branca, na calçada oposta. E Casé olhando... Assim que o velho acabou de passar, o Casé, sem dizer nada e sem tomar água nenhuma, saiu em disparada para ir recuperar o carrinho de mão e comprar as bebidas que meu pai tinha mandado.
À noite soubemos do boato de que tinha um "Papa-figo" em Palmeira dos Índios. Foi aí que matamos a charada na hora: o Casé já sabia deste boato e pensado que o velho que ele tinha visto era o tal "Papa-figo" que estava na cidade, tinha corrido com medo dele. Foi assim que, durante muito tempo, o Casé foi sacaneado por todos nós. Assim todas as vezes que ele ia comprar bebidas, a gente logo dizia:
- Casé, cuidado com o “Papa-figo”!
É lógico que ele ficava “puto da vida”!
Hoje, quando relembramos o causo, o Casé, filosoficamente, sentencia:
- Meu irmão, hoje os tempos mudaram, o “Papa-figo” é que tem medo de criança, porque eles não respeitam nem pai e nem mãe! 

sábado, 18 de janeiro de 2025

CASÉ E A FERIDA DE JOÃO BARROS

Texto de Aloisio Guimarães

Lá em casa moravam 11 pessoas: meus pais, os oito filhos e a empregada. Digo "empregada" por força de expressão uma vez que as empregadas de antigamente eram meninas pobres, criadas pelas famílias, sem salário, em troca de comida e roupa.
Nós tínhamos a Judite, que chegou adolescente e saiu adulta, para ir trabalhar na cidade do Rio de Janeiro.
Resumo da ópera: era muita gente para alimentar, “fora o resto” (sapato, roupa, livro, caderno...), e o salário de meus pais era uma merreca. Acho que a nossa renda familiar deveria ser, no máximo, três salários mínimos. Era um verdadeiro sufoco que meus velhos passavam para colocar comida na mesa. Por conta disso tudo, tanto eu como qualquer um dos meus irmãos tem autoridade para falar sobre a Fome.
Isto posto, vamos ao causo...
Em Palmeira dos Índios, vivia um cidadão, de nome João Barros, que tinha uma daquelas feridas crônicas, enorme, que tomava quase toda a sua perna direita. Quando as pessoas se aproximavam de onde ele estava, mudavam o olhar, fugindo da visão desagradável da sua ferida. João Barros morreu e não conseguiu se livrar da dita cuja.
O meu irmão Casé tinha um verdadeiro nojo e pavor da ferida de João Barros! Pense num cara cheio de nojo! Pensou? Era o Casé!
Pois bem...
Na hora do almoço, pelo tamanho da nossa família e salário baixo dos meus pais, como já expliquei, tudo era contadinho: 1 concha de feijão, 2 colheres de arroz, 1 bife, 1 banana (quando tinha), um copo de Q-suco e farinha à vontade.
Muitas vezes a fome era grande que não dava para ficar só no contadinho, tínhamos que ser criativos... Então, sabendo do nojo do Casé pela ferida do João Barros, na pura maldade, no almoço, quando o papai não estava, senão “o couro comia”, algum de nós falava para outro:
- Rapaz, você viu como está feia a ferida do João Barros?
Pronto, era o suficiente: o Casé não comia mais nada, abandonava o prato e saia da mesa, chorando e xingando todo mundo!
Ora, se Casé não queria mais comer, só nos restava como opção dividir a comida que ele não queria mais. Quem seria capaz de jogar comida fora, não é mesmo?
Era uma maldade que fazíamos com o nosso irmão. Coisas de crianças...
Hoje, achamos graça, inclusive o Casé, que já não deixa de comer por nada neste mundo, mesmo que João Barros esteja à sua frente.
- Casé, meu irmão, te amo!