Texto de Ailin Aleixo
Homens pensam que abrir as
pernas é a maior moleza: só deitar ali, arrancar a calcinha e correr pro
abraço. Na maioria das vezes, é até verdade, mas um dia no ano, durante
muitos anos, esse ato tão banal e (se a moça tiver sorte) corriqueiro vira
um martírio abissal: o Dia do Papanicolau. Menos uma data santa e
muito mais um mergulho no inferno do desconforto, o dia do tal papa começa
com aquele famoso "pode se despir e colocar esse avental com a
abertura voltada pra trás". Peladas, descalças sobre o chão frio e
com um ventinho batendo na bunda, vamos (nós, mulheres) nos encaminhando
para a sala de exame. Ao abrir a porta, temos a visão do hall do Hades: uma
maca coberta por lençol de papel, dois apoios para os pés, um computador
esquisitão e um médico com aquele sorriso polido que diz, na verdade, "não
precisa ficar sem graça só porque jamais te vi na vida e agora vou enfiar
e cutucar até a sua amígdala". Enfim, deitamos. Deslizamos a bunda
até a beira da maca, abrindo até a alma para a exploração iminente,
encaixamos os calcanhares nos apoiadores. "Agora relaxe." Respiramos
fundo e então ele adentra o âmago do nosso ser. Gelado, mais duro do que
estamos acostumadas, fino, metálico. Um troço bizarro chamado espéculo. Ele
percorre o caminho que você, querido leitor, faz coisas absurdas e
inconfessáveis para percorrer e enfim chega ao ponto final: ali pertinho
do colo do útero, onde alguns homens adoram brincar de bate-estaca, nos
provocando sensações tão agradáveis quanto uma perfuração de tímpano. E,
então, expiramos aliviadas. Por pouco tempo, COÇANDO OS OVÁRIOS. Algo
dentro de nós se expande e alarga. Quer dizer, mais ou menos dentro. Dentro
e fora, pra ser exata. O bico de pato estilizado afasta
nossas caras-metades inferiores até que a zona do agrião fique
completamente, absolutamente, inteiramente aberta e livre para o ataque
final: o dedo. E nessa hora, que horror, uma tremenda vulnerabilidade nos
assola. Além de escancaradas, temos um pedaço de mão cutucando cada canto
e cavidade, procurando caroços, carnes estranhas e toda sorte de possíveis
doenças. Mas não é nelas que pensamos enquanto nossa bexiga é pressionada
e os ovários são coçados. Pensamos, é no quanto aquela situação lastimável
vai durar. E então, num transe anual, enxergamos o mundo através dos olhos
de Einstein: o tempo é mesmo relativo (o exame nunca dura mais que
cinco minutos, mas parece que daria para assistirmos a Spartacus e à trilogia
de O Senhor dos Anéis na sequência). Você já acha suficiente? Ah,
quanta inocência! A retirada do dedo não é o fim, é o anúncio da hora da
entrada de um tipo de palito de sorvete que escarafuncha e raspa nossas
umidades para retirar o "material" que será analisado e dirá se
nossa querida xana está 100% em ordem e habilitada para uso contínuo. Só
daí somos despirulitadas (retiram do meio de nós o que estava nos
espetando) e fechamos tudo o que estava aberto.
E pensar que a homarada faz
o maior estardalhaço e arma um baita dramalhão mexicano só por causa de
uma mera dedadinha no traseiro. Mas como são mocinhas, não?