sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

A FILHA DE JOÃO

Texto de Carlito Lima

Amarante chegou cedo ao escritório, algumas pessoas o esperavam na sala. Cumprimentou, ao mesmo tempo deu um olhar fotográfico, entrou na sala, sentou-se no birô, iniciou a leitura da correspondência. Logo depois chamou Marlene, perguntou os assuntos daquela manhã, a secretária explicou cada caso, inclusive a filha de João, pegaria apenas o cheque mensal.
Veio-lhe um devaneio, Amarante recordou o amigo de infância, João, filho da lavadeira Joana, o melhor ponta esquerda do time de futebol da praia da Avenida da Paz. Naquela época, adolescentes, a juventude aceitava as diferenças sociais com mais honestidade, valia mais quem sabia jogar mais, quem trepava numa mangueira ou num coqueiro e sabia fugir correndo do vigia. João era um atleta nato, desde o futebol na praia até mergulhar da cumeeira dos trapiches avançados mar adentro. Tornou-se o melhor amigo de Amarante, andavam sempre juntos caçando lagartixa com atiradeira (peteca), mergulhavam e pescavam no Riacho Salgadinho, pegavam caranguejo goiamum e outras brincadeira inventada por aqueles jovens adolescentes, na puberdade, se descobrindo, se possuindo dentro do mar, em intenção às moças de maiô deitadas na areia alva da praia da Avenida. O tempo que tudo desfaz, separou a amizade de infância. Anos depois João procurou o amigo Amarante, estava morrendo, pediu ajuda, não deixar a família desamparada. Há três anos Amarante mensalmente dá um cheque de R$ 500,00 à família, um dos filhos de João vai buscá-lo no início de cada mês. Ele não conhecia essa filha à sua espera, notou num relance ser uma morena vistosa, a intuição fez atender a filha do João por último:
- Você parece com o João, sente-se, por favor - recebeu em pé.
A jovem puxou a cadeira confortável sentou-se, elegante, cruzou as pernas, sorriu.
- Muito prazer Nilda. Meu pai falava muito no senhor, muitas histórias ele contou de uma juventude alegre e livre na praia da Avenida da Paz, hoje está poluída ninguém mais frequenta aquela bela praia.
 - Dá-me uma dor quando vejo o Salgadinho desaguando naquele mar azul esverdeado, uma pena. Nos domingos o povão do Reginaldo enche a praia, pobre não tem direito nem a lazer sadio. Diga Nilda o que você faz na vida? João foi um meu grande amigo de infância, gostaria de saber se posso ajudar em alguma coisa a mais?
- Doutor Amarante, na verdade eu estava num emprego, a empresa modernizou-se, fiquei desempregada, batalhando para sobreviver.
- Faça o seguinte, deixe seu currículo com minha secretária, vou ver o que posso fazer.
Levantou-se, deu-lhe a mão, ficou olhando a filha de João se retirar. Pensou, uma bela mulher! Duas semanas depois Nilda estava trabalhando no escritório, auxiliar de secretária. A convivência entre os dois se estreitaram, Amarante tinha maior carinho pela filha do amigo. Ao olhar as pernas da jovem esquentava o sangue na veia, tentava se policiar. Certo dia no final do expediente ele dirigia para casa avistou Nilda no ponto de ônibus, ofereceu carona, ela abriu a porta do carro, sentou-se como uma princesa, no primeiro sinal vermelho parou o carro, olhou nos olhos de Nilda, aconteceu o  inevitável abraço e beijo, deixou-a perto de sua casa. Dia seguinte ela encabulada mal olhou para o patrão. Ele a chamou mandou fazer alguns pagamentos no centro, no mesmo instante saiu conseguiu alcançá-la andando, parou o carro. Passarem uma tarde inesquecível num motel da Jacarecica. A vida estabilizada, toda semana repetiram a tarde maravilhosa por mais de dois anos.
Esse ano durante o réveillon na praia de Ponta Verde um italiano conheceu Nilda, conversaram, tomaram champanhe, celebraram com fogos a entrada do ano novo, dormiram juntos. Paolo se apaixonou, prolongou as férias, preparou a família, levou Nilda, a jovem está em Gênova preparando-se para o casamento. Amarante quando soube, chocou-se. Dá-lhe uma tristeza, uma depressão quando vem a certeza, nunca mais terá a filha do João.

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