Naquela manhã, dia de
finados, Norminha tirou o carro da garage, distraída, pensava no marido e como
foi traída. Pela primeira vez retornava ao cemitério desde os acontecimentos no
enterro, afinal passaram 18 anos juntos. Fernandinha, a filha de 14 anos,
perguntou se ia encontrar a Adélia, filha do pai com a outra mulher.
- Deus me livre, nunca mais em minha vida quero ver aquela desgraçada,
vadia, sirigaita, enfeitiçou o finado seu pai, ainda fez essa filha. É sua
irmã, por parte de pai, apenas. Não quero e você está proibida de fazer amizade
com essa moça.
Mal sabia Norminha, as
duas estudavam em colégios do CEPA, são amigas desde que descobriram serem meio
irmãs, filhas do Peixotinho, funcionário exemplar da Rede Ferroviária. Norminha
rumou para ao cemitério, Fernanda ao lado, calada, a mãe em devaneios.
Fernando Lyra Peixoto,
ainda jovem, conseguiu um emprego na Rede Ferroviária com um deputado amigo da
família, assíduo e trabalhador, todos os chefes gostavam daquele servidor,
gentil. Sempre arranjavam uma maneira de uma função gratificada. Peixotinho não
reclamava o salário de funcionário, tinha outra viração, emprestar dinheiro, um
pequeno agiota, controlado, morava com a mãe viúva. Adolescente descobriu uma
das coisas mais importante em sua vida, sexo e mulher. Carinha de santo, sonso
que só o cão, uma lábia de encantar mulheres, vivia atrás das empregadas na vizinhança,
os amigos o apelidaram maldosamente, Rei das Peniqueiras. Guardou seu
dinheirinho ganho na repartição, tinha casa, comida e roupa lavada. Por acaso investiu
na agiotagem, um amigo desesperado pediu-lhe emprestado, pagou-lhe com juro de
10%, Peixotinho gostou, tornou-se agiota, investia também em apartamentos
pequenos, o aluguel aumentava sua renda. Solteiro, gostava mesmo de uma garota
de programa, teve poucas namoradas. Certo dia percebeu, os amigos de infância estavam
casados. Aos 30 anos resolveu se casar, namorou e casou-se com Norminha, três
anos depois apareceu sua filha, Fernandinha. Homem sério, todos admiravam,
Norminha não cansava de se orgulhar, pelo Peixotinho botava a mão no fogo.
Certo dia amanheceu com
a garganta inflamada, ao tomar algumas injeções na farmácia, conheceu a
enfermeira, Ana, bonita morena, mãe solteira, vivia com o filho e o pai no
bairro do Jacintinho. Trabalhava muito em hospital e dava plantão em farmácias
fazendo curativos, aplicando injeções para sustentar a casa. Peixotinho
empolgado com a sensualidade da jovem, retornou à farmácia paquerando abertamente
Aninha. Sua insistência e lábia conseguiram levá-la a um motel. A partir daí teve
encontros semanais com a carinhosa enfermeira, preenchendo parte de sua vida
amorosa. Aninha engravidou quase ao
mesmo tempo que Norminha, as duas filhas nasceram com diferença de um mês. Ana não
fazia questão em ser a "outra", afinal Peixoto ajudava muito, até cedeu
um de seus apartamentos para moradia de Ana, o pai e os filhos. Peixoto conseguiu
guardar esse segredo durante 15 anos. Certa manhã, na repartição, sentado, de
repente veio-lhe suor frio, dor aguda no peito, a dor aumentou, caiu a cabeça
para frente no birô, infarto fulminante. Morreu feito um passarinho.
Dia seguinte, no
enterro Norminha, percebeu uma morena junto à filha adolescente, as duas
chorando no caixão, quis saber quem eram aquelas intrusas. Everaldo, amigo,
confidente de Peixotinho, contou-lhe a verdade. Norminha partiu desesperada,
puxou Aninha e a filha do caixão, chamando-a de vadia, deu tapa na cara, alguns
amigos intervieram botando paz no enterro. Depois de alguns meses, as duas,
encontraram-se em audiência, brigando pela herança de Peixotinho. O "come
quieto" deixou onze apartamentos pequenos.
Naquele dia de finado
finalmente Norminha chegou ao Campo Santo, uma orquestra tocava as Bachianas de
Villa Lobos enchendo o ambiente de saudades. Cemitério lotado, Norminha e Fernandinha
dirigiram-se ao túmulo de Peixotinho, ao ver, ao longe, Aninha e filha
ajoelhadas colocando flores no túmulo do marido, a viúva partiu em disparada,
na velocidade que vinha rodou a bolsa na cara da "outra", atordoada,
levou murro na cara, ao cair revidou puxando o cabelo de Norminha. Atracaram-se
no chão xingando-se mutuamente de vadia e puta. Ninguém teve coragem de apartar
a briga, as duas rolaram, puxaram cabelo, deram tapas, jogaram areia, por mais
de cinco minutos. Precisou dois policiais para terminar a briga. Perante o
Delegado as duas tiveram que explicar para não ser enquadradas em perturbação
da ordem pública. Uma coisa ficou clara, o UFM do Campo Santo ainda terá mais
rounds.
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