Texto de Martha Medeiros

Eu não sirvo de exemplo
para nada, mas, se você quer saber se isso é possível, me ofereço como piloto
de testes. Sou a Miss Imperfeita, muito prazer. Uma imperfeita que faz tudo o
que precisa fazer, como boa profissional, mãe e mulher que também sou: trabalho
todos os dias, ganho minha grana, vou ao supermercado três vezes por semana,
decido o cardápio das refeições, levo os filhos no colégio e busco, almoço com
eles, estudo com eles, telefono para minha mãe todas as noites, procuro minhas
amigas, namoro, viajo, vou ao cinema, pago minhas contas, respondo a toneladas
de e-mails, faço revisões no dentista, mamografia, caminho meia hora
diariamente, compro flores para casa, providencio os consertos domésticos,
participo de eventos e reuniões ligados à minha profissão e ainda faço escova
toda semana - e as unhas! E, entre uma coisa e outra, leio livros. Portanto,
sou ocupada, mas não uma workaholic. Por mais disciplinada e responsável que eu
seja, aprendi duas coisinhas que operam milagres. Primeiro: a dizer NÃO, Segundo:
a não sentir um pingo de culpa por dizer NÃO. Culpa por nada, aliás. Existe a
Coca Zero, o Fome Zero, o Recruta Zero. Pois inclua na sua lista a Culpa Zero. Quando
você nasceu, nenhum profeta adentrou a sala da maternidade e lhe apontou o dedo
dizendo que a partir daquele momento você seria modelo para os outros. Seu pai
e sua mãe, acredite, não tiveram essa expectativa: tudo o que desejaram é que
você não chorasse muito durante as madrugadas e mamasse direitinho. Você não é
Nossa Senhora. Você é, humildemente, uma mulher. E, se não aprender a delegar, a
priorizar e a se divertir, bye-bye vida interessante. Porque vida interessante
não é ter a agenda lotada, não é ser sempre politicamente correta, não é topar
qualquer projeto por dinheiro, não é atender a todos e criar para si a falsa
impressão de ser indispensável.
É ter tempo. Tempo para
fazer nada. Tempo para fazer tudo. Tempo para dançar sozinha na sala. Tempo
para bisbilhotar uma loja de discos. Tempo para sumir dois dias com seu amor. Três
dias. Cinco dias! Tempo para uma massagem. Tempo para ver a novela. Tempo para
receber aquela sua amiga que é consultora de produtos de beleza. Tempo para
fazer um trabalho voluntário. Tempo para procurar um abajur novo para seu
quarto. Tempo para conhecer outras pessoas. Voltar a estudar. Para engravidar. Tempo
para escrever um livro que você nem sabe se um dia será editado. Tempo,
principalmente, para descobrir que você pode ser perfeitamente organizada e
profissional sem deixar de existir. Porque nossa existência não é contabilizada
por um relógio de ponto ou pela quantidade de memorandos virtuais que atolam
nossa caixa postal. Existir, a que será que se destina? Destina-se a ter o
tempo a favor, e não contra. A mulher moderna anda muito antiga. Acredita que,
se não for super, se não for mega, se não for uma executiva ISO 9000, não será
bem avaliada. Está tentando provar não-sei-o-que para não-sei-quem. Precisa
respeitar o mosaico de si mesma, privilegiar cada pedacinho de si. Se o
trabalho é um pedação de sua vida, ótimo! Nada é mais elegante, charmoso e
inteligente do que ser independente.
Mulher que se sustenta fica
muito mais sexy e muito mais livre para ir e vir. Desde que lembre de separar
alguns bons momentos da semana para usufruir essa independência, senão é
escravidão, a mesma que nos mantinha trancafiadas em casa, espiando a vida pela
janela.
Desacelerar tem um custo. Talvez seja preciso esquecer a bolsa Prada, o hotel decorado pelo Philippe Starck e o batom da M.A.C. Mas, se você precisa vender a alma ao diabo para ter tudo isso, francamente, está precisando rever seus valores. E descobrir que uma bolsa de palha, uma pousadinha rústica à beira-mar e o rosto lavado (ok, esqueça o rosto lavado) podem ser prazeres cinco estrelas e nos dar uma nova perspectiva sobre o que é, afinal, uma vida interessante.
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