terça-feira, 28 de maio de 2013

O ENTERRO DO COLAÇO

Texto de Carlito Lima

No final dos anos 70 conheci uma das figuras marcantes na política alagoana, Rubens Colaço, líder dos estivadores, dirigente do Partido Comunista Brasileiro.
Na época chegou a Maceió, Paulo Cavalcante, deputado pernambucano, ex-preso político no quartel onde eu servia como tenente em 1964, a 2ª Companhia de Guardas no Recife.  Paulo pediu aos companheiros de partido para ter algum contato com seu ex-“carcereiro”, o tenente Lima. Rubens Colaço logo me telefonou. Passamos um fim de semana mostrando as belezas de Maceió a Paulo, junto com Geraldo Majella e Alberto Jambo. Pajuçara, Ponta Verde, Jatiúca, Praia do Francês, passeio na Lagoa com direito a banho no Broma, Marechal Deodoro, bons papos, boas cervejas, peixe e camarão, comunista também gosta de coisa boa. Paulo Cavalcante recordou muitas histórias durante sua prisão na Companhia de Guardas. Escreveu um livro, “O Caso Conto Como O Caso Foi”, ao ler fiquei emocionado com opiniões a respeito do ex-“carcereiro” que virou amigo.
Assim consolidei minha amizade com Colaço. Nos bares da cidade encontrava-me com o velho guerreiro; sempre um bom papo, excelente humor e copo. Certa vez um lavador de carro encontrou no meu fusca uma dentadura, eu havia tomado umas cervejas com Rubens no dia anterior, fui até sua casa. Encontrei-o banguela. Vibrou quando avistou sua amada dentadura. Voltou a ter aquele sorriso maroto.
Anos depois Colaço morreu, houve uma comoção entre os moradores de Jaraguá, do Poço, Ponta da Terra e adjacências. Os estivadores do caís do porto pararam de trabalhar para homenagear o grande líder. Os pobres, os descamisados, os sem terra, sem teto, perdiam seu pai, seu irmão, seu farol, seu guru.
O enterro saiu de sua casa repleta de estivadores, catraieiros, gente do povo, choravam a morte de um homem que se dedicou às causas populares. Em pouco tempo a cachaça e a cerveja rolaram. O choro e a emoção aumentavam com a branquinha. Intelectuais, políticos, desocupados, até um padre e uma cafetina se apinhavam na casa. Seus amigos de copo e de luta prestavam a última e dolorosa homenagem.
Passava da hora de sair o enterro. Ninguém disposto a fechar o caixão. Até que Seu Gilberto (pai de Edberto Ticianeli) advertiu, tinha chegado o momento; a família acatou.
Ao segurar na tampa do caixão, um dos chorosos amigos, cheio de cachaça na cabeça, pediu para adiar o enterro, ficar mais um pouco com Colaço.
Formou-se uma calorosa discussão. Fizeram reunião na sala ao lado. Depois de muito discutir, Seu Gilberto irritado com os companheiros bêbados, insistentes, saiu da sala, desabafou num rompante:
- Tudo bem façam o que quiserem. Peguem o defunto com caixão e tudo e enfiem no cu.
Deu-se um mal estar. A família do morto resolveu levá-lo naquela hora. Tamparam o caixão, foram em direção à sua última morada no cemitério de Jaraguá. O féretro seguiu a pé, alguém orientava o percurso.
Ao chegar ao cemitério, mandaram entrar à direita. Nesse momento, um fiel amigo, cheio da cachaça, gritou:
- Parem o enterro! O companheiro Rubens nunca entrou à direita quando vivo, sempre foi coerente com seus princípios e não será agora depois de morto que ele vá entrar à direita. Rubens Colaço só entra à esquerda!
Nessa altura os acompanhantes, alguns com a branquinha na mão, começaram a aplaudir. Os companheiros inflamados gritavam:
- Muito bem! Viva Rubens Colaço! Ninguém entra à direita!
Não houve argumento. Fizeram um enorme e complicado itinerário dando arrodeios nas quadras de tumbas e mausoléus.
Assim, com ajuda dos companheiros, o grande Colaço continuou coerente, digno dentro de um caixão, entrando sempre às esquerdas, chegou finalmente em sua morada no cemitério de Jaraguá.
Hoje deve estar sentado à esquerda de Deus pai, todo poderoso.

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