Ao completar sessenta anos, lembrei do filme "De repente 30", em que a
adolescente, em seu aniversário, ansiosa por chegar logo à idade adulta,
formula um desejo e se vê repentinamente com trinta anos, sem saber o que
aconteceu nesse intervalo. Meu sentimento é semelhante ao dela: perplexidade. Pergunto
a mim mesma “onde foram parar todos esses
anos?”. Ainda sou aquela menina assustada que entrou pela primeira vez na
escola, aquela filha desesperada pela perda precoce da mãe; ainda sou aquela
professorinha ingênua que enfrentou sua primeira turma, aquela virgem sonhadora
que entrou na igreja, vestida de branco, para um casamento que durou tão pouco!
Ainda sou aquela mãe aflita com a primeira febre do filho que hoje tem mais de
trinta anos. Acho que é por isso que engordei, para caber tanta gente, é
preciso espaço!
Passei batido pela tal crise dos trinta, pois estava ocupada
demais lutando pela sobrevivência.
Os quarenta foram festejados com um baile, enquanto eu
ansiava pela aposentadoria na carreira do magistério, que aconteceu quatro anos
depois.
Os cinquenta me encontraram construindo uma nova vida, numa
nova cidade, num novo posto de trabalho.
Agora, aos sessenta, me pergunto onde está a velhinha que eu
esperava ser nesta idade e onde se escondeu a jovem que me olhava do espelho
todas as manhãs. Tive o privilégio de viver uma época de profundas e rápidas
transformações em todas as áreas: de Elvis Presley e Sinatra a Michael Jackson,
de Beatles e Rolling Stones a Madonna, de Chico e Caetano a Cazuza e Ana
Carolina; dos anos de chumbo da ditadura militar às passeatas pelas diretas e
impeachment do presidente a um novo país misto de decepções e esperanças; da
invenção da pílula e liberação sexual ao bebê de proveta e o pesadelo da AIDS.
Testemunhei a conquista dos cinco títulos mundiais do futebol brasileiro (e
alguns vexames históricos). Nasci no ano em que a televisão chegou ao Brasil,
mas minha família só conseguiu comprar um aparelho usado dez anos depois e, por
meio de suas transmissões, vi a chegada do homem à lua, a queda do muro de
Berlim e algumas guerras modernas. Passei por três reformas ortográficas e tive
de aprender a nova linguagem do computador e da internet. Aprendi tanto que foi
por meio desta que conheci, aos cinquenta e dois anos, meu companheiro, com
quem tenho, desde então, compartilhado as aventuras do viver.
Não me sinto diferente do que era há alguns anos, continuo
tendo sonhos, projetos, faço minhas caminhadas matinais com meu cachorro Kaká,
pratico ioga, me alimento e durmo bem (apesar das constantes visitas noturnas
ao banheiro), gosto de cinema, música, leio muito, viajo para os lugares que um
dia sonhei conhecer. Por dois anos não exerci qualquer atividade profissional,
mas voltei a orientar trabalhos acadêmicos e a ministrar algumas disciplinas em
turmas de pós-graduação, o que me fez rejuvenescer em contato com os alunos,
que têm se beneficiado de minha experiência e com quem tenho aprendido muito
mais que ensinado.
Só agora comecei a precisar de óculos para perto (para longe
eu uso há muitos anos) e não tinjo os cabelos, pois os brancos são tão poucos
que nem se percebe (privilégio que herdei de meu pai, que só começou a ficar
grisalho após os setenta anos). Há marcas do tempo, claro, e não somente rugas
e os quilos a mais, mas também cicatrizes, testemunhas de algumas
aprendizagens: a do apêndice me traz recordações do aniversário de nove anos
passado no hospital; a da cesárea marca minha iniciação como mãe e a mais
recente, do câncer de mama (felizmente curado), me lembra diariamente que a
vida nos traz surpresas nem sempre agradáveis e que não tenho tempo a perder.
A capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo diminuiu,
lembro de coisas que aconteceram há mais de cinquenta anos e esqueço as panelas
no fogo. Aliás, a memória (ou sua falta) merece um capítulo à parte:
constantemente procuro determinada palavra ou quero lembrar o nome de alguém e
começa a brincadeira de esconde-esconde. Tento fórmulas mnemônicas, recito o
alfabeto mentalmente e nada! De repente, quando a conversa já mudou de rumo ou
o interlocutor já se foi, eis que surge o nome ou palavra, como que zombando de
mim... Mas, do que é que eu estava falando mesmo? Ah, sim, dos meus sessenta. Claro
que existem vantagens: pagar meia-entrada (idosos, crianças e estudantes têm
essa prerrogativa, talvez porque não são considerados pessoas inteiras),
atendimento prioritário em filas exclusivas, sentar sem culpa nos bancos
reservados do metrô e a TPM passou a significar "Tranquilidade
Pós-Menopausa".
Certamente o saldo é positivo, com muitas dúvidas e apenas
uma certeza: tenho mais passado que futuro e vivo o presente intensamente, em
minha nova condição de mulher muito sex...agenária!
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