Eram dois irmãos chamados Zé, Zé Miguel e Zé Gabriel, para
diferençar chamavam o menor de Zé Pequeno, o apelido pegou, sem cerimônia,
assim ficou conhecido. Tornou-se comerciante de material de construção,
solteirão convicto, chegado às mulheres da vida, nunca namorou. Certo dia apareceu na casa de sua mãe, uma
prima vinda do Rio de Janeiro, Zulmira, havia passado dos 30. Zé Pequeno ficou encantado com a vistosa
loura, roupa decotada, divertida, sem meias palavras, dizia o que vinha na
cabeça, tetas exuberantes, sorriso desavergonhado. Suas conversas
escandalizavam a família e amigos. A maldade humana especulava a profissão de
Zulmira no Rio de Janeiro.
Entretanto, o coração tem razões que própria razão
desconhece. Zé Pequeno ficou encantado, apaixonado, pela prima. Não adiantaram
os fuxicos, as previsões dos amigos. Zé Pequeno respondia, sabia o que queria.
Terminou casando-se com a bela Zulmira. Os amigos, os desocupados, previram um
belo par de chifres. Com três meses de casados telefonaram para Zé Pequeno, sua
distinta esposa estava com um jovem num motel perto da rodoviária. Zé pegou-a
em flagrante saindo do motel. Não houve acordo, acabou o casamento. Foi a
crônica do chifre anunciado.
Zé Pequeno gostou de ser casado, disse para si mesmo,
jamais com mulher bonita, casaria novamente com mulher feia. Certo dia entrou
na sua loja, Eulália, colega de infância, estrábica, sem muitos predicados da
beleza feminina. Logo Zé Pequeno casou novamente, sem medo de levar ponta.
Os anos se passaram, os dois se deram bem, cada qual no seu
canto sem se intrometer na seara do outro. Eulália tem uma butique de moda,
ganha para seu sustento, é boa e servil esposa. Entretanto, tem duas manias
incuráveis, ciúme doentio do Zé Pequeno e neura constante da violência urbana.
Ela lê tudo nos jornais sobre assalto, assassinato, sequestro. É sua conversa
predileta. Sabe todas as histórias contadas no rádio, televisão. Eulália ama o
alarmismo da imprensa, faz bem à sua mente, alimenta-se de fatos tenebrosos. Exagera
as histórias, terminando com a frase. "Ninguém
suporta mais tanta violência!"
Numa bela tarde de sábado, Eulália foi a uma palestra sobre
violência urbana, não poderia perder. O conferencista expôs sua teoria. A maioria
dos crimes estão na faixa entre 14 e 26 anos, são traficantes, eles se matam
por pontos de venda drogas. De repente o palestrante perguntou à plateia
quantas vezes alguém tinha sido assaltado ou quantas pessoas conheciam que
foram assaltadas. Apenas duas mulheres levantaram
o braço. Eulália pensou, tentou relembrar algum assalto com amigo, nada. Retornou
para casa decepcionada, não conhecia um parente, um amigo que foi assaltado, frustrante.
Nessa mesma tarde, Zé Pequeno telefonou para uma amiga
moradora do Trapiche, cafetina das melhores meninas de programas da cidade.
Apanhou a garota, bonita, alta. Levou-a para um motel. Tarde agradável, alguns
uísques, até que na hora do banho ele escorregou, caiu de costa, nuca no chão,
abriu-lhe a cabeça, o sangue jorrou.
Foi dirigindo ao Pronto Socorro, levou alguns pontos na
cabeça. Zé começou a pensar o que dizer em casa. Teve uma ideia, uma mentira
bem encaixada e registrada. Dirigiu-se à Delegacia de Plantão, abriu um Boletim
de Ocorrência. Contou o assalto. Quando abriu o carro estacionado, dois rapazes
armados mandaram ele dirigir rumo ao Litoral Norte, ao chegar na praia de
Ipioca, mandaram parar. Deram-lhe uma coronhada, ele desmaiou. Levaram o
dinheiro da carteira, o celular e o lep-top, ainda bem que deixaram o carro e
ele, vivo.
Ao contar a história do assalto em casa, veio uma áurea de
felicidade e alegria dentro de Eulália, ela não conteve o sorriso de
satisfação. Ouviu atentamente a história do marido. Deu-lhe uma íntima satisfação.
Contou exagerando a história para toda vizinhança, como Zé Pequeno foi
assaltado. Há mais de um mês é seu único assunto. O assalto ao Zé acabou a
frustração de Eulália. Zé Pequeno agora é seu grande ídolo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário