POSTAGEM ALOISIO GUIMARÃES
Era uma vez um bando de ratos que vivia no buraco do assoalho de uma
casa velha. Havia ratos de todos os tipos: grandes e pequenos, pretos e
brancos, velhos e jovens, fortes e fracos, da roça e da cidade. Mas
ninguém ligava para as diferenças, porque todos estavam irmanados em torno de
um sonho comum: um queijo enorme, amarelo, cheiroso, bem pertinho dos seus
narizes. Comer o queijo seria a suprema felicidade... Bem pertinho é modo de
dizer. Na verdade, o queijo estava imensamente longe, porque entre ele e os
ratos estava um gato.
O gato era malvado, tinha dentes afiados e não dormia nunca. Por vezes
fingia dormir. Mas bastava que um ratinho mais corajoso se aventurasse para
fora do buraco para que o gato desse um pulo e era uma vez um ratinho! Os ratos odiavam o
gato. Quanto mais o odiavam, mais irmãos se sentiam. O ódio a um inimigo comum
os tornava cúmplices de um mesmo desejo: queriam que o gato morresse ou
sonhavam com um cachorro... Como nada pudessem fazer, reuniram-se
para conversar. Faziam discursos, denunciavam o comportamento do gato (não se
sabe bem para quem), e chegaram mesmo a escrever livros com a crítica
filosófica dos gatos. Diziam que um dia chegaria em que os gatos seriam
abolidos e todos seriam iguais.
- Quando se estabelecer a ditadura dos ratos - diziam os
camundongos - então todos serão felizes...
- O queijo é grande o bastante para todos - dizia um.
- Socializaremos o queijo - dizia outro.
Todos batiam palmas e cantavam as mesmas canções. Era comovente ver
tanta fraternidade. Como seria bonito quando o gato morresse! Sonhavam... Nos
seus sonhos, comiam o queijo. E, quanto mais o comiam, mais ele crescia. Porque
esta é uma das propriedades dos queijos sonhados: não diminuem; crescem
sempre. E marchavam juntos, rabos entrelaçados, gritando:
- Ao queijo, já!
Sem que ninguém pudesse explicar como, o fato é que, ao acordarem, numa
bela manhã, o gato tinha sumido. O queijo continuava lá, mais belo do
que nunca. Bastaria dar uns poucos passos para fora do buraco. Olharam
cuidadosamente ao redor. Aquilo poderia ser um truque do gato. Mas não era. O
gato havia desaparecido mesmo. Chegara o dia glorioso e, dos ratos, surgiu um
brado retumbante de alegria. Todos se lançaram ao queijo,
irmanados numa fome comum. E foi então que a transformação aconteceu. Bastou a
primeira mordida. Compreenderam, repentinamente, que os queijos de verdade são
diferentes dos queijos sonhados. Quando comidos, em vez de crescer,
diminuem. Assim, quanto maior o número dos ratos a comer o queijo, menor
o naco para cada um. Os ratos começaram a olhar uns para os outros como se
fossem inimigos. Olharam, cada um para a boca dos outros, para ver quanto
do queijo haviam comido. E os olhares se enfureceram. Arreganharam os dentes.
Esqueceram-se do gato. Eram seus próprios inimigos. A briga começou. Os mais
fortes expulsaram os mais fracos a dentadas. E, ato contínuo, começaram a
brigar entre si. Alguns ameaçaram chamar o gato, alegando que só assim se
restabeleceria a ordem.
O projeto de socialização do queijo foi aprovado nos seguintes termos:
"Qualquer pedaço de queijo poderá ser tomado dos seus
proprietários para ser dado aos ratos magros, desde que este pedaço tenha
sido abandonado pelo dono".
Mas como rato algum jamais abandonou um queijo, os ratos magros foram
condenados a ficar esperando. Os ratinhos magros e fracos, de dentro do
buraco escuro, não podiam compreender o que havia acontecido. O mais
inexplicável era a transformação que se operara no focinho dos ratos
fortes, agora donos do queijo. Tinham todo o jeito do gato, o olhar malvado, os
dentes à mostra. Os ratos magros nem mais conseguiam perceber a diferença entre
o gato de antes e os ratos de agora. Os ratos fortes se tornavam cada vez
mais fortes. Diziam mentiras para enganar os outros ratos. Os ratos fracos
acreditavam nas mentiras por ignorância ou por medo. Por medo, muitos ratos
fracos defendiam os ratos fortes, na esperança ganhar alguma migalha de queijo. Os ratos fortes
criaram impostos. Sempre aumentavam estes impostos. Precisavam arrecadar
dinheiro para poder ficar mais fortes e assim poder cuidar do queijo. Precisam
de mais e mais impostos, porque só eles poderiam cuidar da saúde dos ratos
fracos!
Todo rato que fica dono do queijo vira gato. Não é por acidente que os nomes são tão parecidos...
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