domingo, 27 de agosto de 2023

TEJE PRESO!

Texto de Aloisio Guimarães

Esse é mais um daqueles causos que, infelizmente, terei que trocar o nome da personagem principal (já falecido) e da cidade onde ocorreram os fatos, pois aprendi com o meu velho pai que devemos correr de problemas assim como o diabo foge da cruz, principalmente nos dias atuais, época de violência desenfreada, onde a vida humana nada vale.
Isto explicado e esclarecido, vamos a ele:
Antigamente, nas décadas de 50 e 60, em qualquer cidade do país, principalmente nas cidades interioranas, o Delegado de Polícia era nomeado pelo Chefe Político local. Podia ser qualquer um, mesmo que o indicado não fosse um policial de carreira.
Estávamos em uma época de acirradas disputas política; um tempo que as famílias costumavam lavar a sua honra com o sangue dos desafetos. Preocupado com a possibilidade de um derramamento de sangue entre as duas famílias tradicionais e inimigas políticas, durante as eleições municipais em Poço da Trincheiras, pequena cidade do "interland" alagoano, o governador do estado resolveu inovar e, por indicação de amigos, "importou" de Salvador, Bahia, José Machado, mais conhecido como "Machadão", e o nomeou para Delegado da cidade, com a missão de pacificador, doesse a quem doesse.
Nomeado e empossado na capital, assim que desembarcou na cidade, além da fama e ser valentão, o porte físico do delegado Machadão foi o suficiente para meter muito medo em todo mundo: caboclo alto, de meia-idade, moreno e dono um bigodão, daqueles de impor respeito. Andava sempre vestido num terno de linho, branco, impecavelmente engomado; nos pés, usava botas de cano alto, bico fino e adornadas com esporas prateadas. Na cabeça, o seu inseparável chapéu do Panamá, de abas largas; na cintura, um revólver 45, cano longo, sempre à mostra. Por fim, nas mãos, uma inconfundível tabica "Bimba de boi" (famosa no nordeste, feita "da própria", após secagem ao sol) que, durante anos, fez muito vagabundo confessar os seus pecados...
Acontece que, na moita, o valentão do delegado Machadão costumava "sair do armário", era uma verdadeira bichona. E, para não perder a fama de durão, ele adotava o seguinte "modus operandi": quando prendia um elemento qualquer e dele se engraçava, à noite, o valente Machadão, ia à delegacia e mandava os soldados saírem para fazer a ronda noturna. Assim que os "praças" (como os soldados eram chamados antigamente) saiam, o delegado entrava na cela e ordenava ao preso:
- Tire a roupa e "endureça"...
Como ordem de uma autoridade policial é para ser cumprida, principalmente na cadeia, não restava outra opção ao preso. "Endurecido", ele era obrigado a "fungar no cangote do delegado".
Tão logo "terminava o serviço", o delegado, olhando bem no fundo dos olhos do preso, mostrava-lhe o seu revólver 45 e o advertia, duramente:
- Tá vendo isso aqui?! Tá vendo?! Não é de brincadeira! Você comeu foi o cu de um homem! Se você der com a língua nos dentes e sair contando para todo mundo, meto-lhe bala, seu cabra safado! Entendeu?! Entendeu bem?!
Em seguida, para demonstrar que estava falando sério, procurando intimidar ainda mais o preso, o delegado machão dava um tiro para o alto.
Com o passar dos dias, quase todos os garotões da cidade foram presos, somente para o prazer do delegado. Era um verdadeiro festival de prisões. Toda semana, sem mais nem menos, um rapaz diferente ouvia a ordem de prisão do delegado, como é tradicionalmente pronunciada no sertão nordestino:
- Teje preso!
Como o número de prisões aumentou tanto, logo, à boca miúda, a cidade toda soube e comentava as artimanhas do delegado Machadão...
Como em toda cidade pequena, a turma da birita, não perdoa nada, sempre que se ouvia um estampido, mesmo que fosse de fogos de artifícios, logo diziam, em tom de gozação:
- Pronto, acabaram de enrabar o delegado!
As ironias foram tantas que, meses depois, o Machadão foi obrigado a voltar para seu estado natal. Tinha perdido a autoridade.

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