Conheci
Bezerrão ainda menino, tinha meus 10 anos, meu pai gostava de tomar cerveja com
uma turma de escritores, artistas, intelectuais, boêmios, no Bar Colombo,
centro de Maceió, nesse aprazível local conheci a figura impoluta, deu-me uma
tabela da Copa do Mundo de 1950, guardei-a por muitos anos, lembrança feliz
marcada na memória.
Bezerrão
era investigador de Polícia Militar, considerado “velha guarda” da corporação nos anos
50.
Ninguém
sabia seu primeiro nome. Todos o chamavam por Bezerrão. Morava no Prado, na Rua
da União, nos fundos da Rede Ferroviária do Nordeste, antiga Great Western,
quando ainda pertencia aos ingleses.
Todos
as tardes Bezerrão, vestido num terno de brim ou linho branco, paletó de quatro
botões, ficava na Praça do Pirulito pedindo carona aos carros que passavam para
o centro da cidade. Alguma alma caridosa levava nosso herói para comparecer a seu “plantão” diário nas rodas
de conversa fiada que se formavam no trecho entre o Bar Colombo, o Bilhar do
Comércio, passando pelo Salão Elite (do Zezé) e a Assembleia Legislativa.
Quem
quisesse achar Bezerrão bastava ir às tardes na Rua do Comércio, infalivelmente
estava lá nosso respeitado policial.
Alto,
forte, físico avantajado, mais de 1:90 metros, vozeirão assustador, conversar,
bater papo era sua distração. Opinava sobre qualquer assunto, gostava de dar
"pitacos", soltar “tiradas”, frases de efeito, algumas de sua
autoria, impressionavam e divertiam a todos. No linguajar popular havia muita
sabedoria em suas palavras.
Ele
costumava repetir um dito aprendido com um italiano proprietário de uma loja de
calçados na Rua do Comércio. Quando se falava de mulher gaieira, traidora,
Bezerrão soltava a frase misturando português e italiano:
- Si tuto cornuto fosse lampioni,
mamma mia, quanta iluminacioni.
Não
tinha preconceitos ou acanhamento, metia-se em qualquer roda, dava opiniões
sobre tudo. Querido de todos, principalmente dos boêmios, políticos e
desocupados que instigavam-no a contar fanfarronices. O problema era desligar
Bezerrão, quando começava não costumava parar de falar.
Certa
vez em passagem pela Assembléia Legislativa encontrou um grupo de deputados
formado por Teotônio Vilela, Remi Maia, Luiz Coutinho, Elízio Maia, que pararam
a conversa quando Bezerrão se aproximou. Teotônio com sua franqueza foi logo
despachando:
- Estamos conversando sobre política.
Bezerrão
antes de ir embora, não se conteve, perguntou:
- É que passei uns dias numa fazenda
e estou com uma dúvida e quero que os senhores deputados me tirem essa dúvida: "Por
que a cabra que come capim quando faz cocô é aquela bolinha pequena, enquanto a
vaca que também come capim o cocô é enorme e espalhafatoso?"
Como
os deputados ficaram calados, ele rematou.
- Os senhores não entendem de merda,
avaliem de política!
Saiu
faceiro e gozador, ouvindo a gostosa e escancarada gargalhada de Teotônio, e o
mutismo, a sisudez dos outros deputados.
Como
investigador era ídolo dos mais jovens, que não perdoava com trotes e gozações.
Certa tarde deu corda num novato para desarmar um cidadão que tomava sossegadamente
cerveja em uma mesa no Bar Colombo. Era um Capitão do Exército, conhecido na
cidade como encrenqueiro e arruaceiro.
Quando
o jovem perguntou se o cidadão estava armado, o Capitão tirou uma 45 (arma
exclusiva do Exército) dos quartos, colocou-a em cima da mesa, perguntou,
ameaçador:
- Estou armado! E daí?
O
jovem ficou embaraçado, tremendo, Bezerrão foi a socorro, falou para o Capitão,
ele tinha sido o mentor daquela “brincadeira”. Os três juntos ficaram até tarde
da noite bebendo por conta do militar, que apesar de ser chegado a uma
confusão, era um tremendo boa praça.
Na
Rua do Comércio o pessoal adorava ouvir suas tiradas e iam ao delírio quando,
por exemplo, um ex-freqüentador daquela rodinha do Bar Colombo, recentemente
eleito vereador, passou ao longe sem parar, sem se chegar, como fazia sempre
antes das eleições. Bezerrão filosofou gritando para o amigo:
- Fulano! Se tudo que subisse não
caísse, o céu estava cheio de taboca de foguetes.
Grande
Bezerrão, filósofo do povo, figura imortal, fez história nas ruas da cidade de
Nossa Senhora dos Prazeres, na Maceió de outrora.
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