Uma cidade não é
feita apenas de prédios, ruas, avenidas, praias, parques, praças e jardins. Ela
é feita, sobretudo, pelos habitantes, pelas histórias, pelas tradições. Devemos
dar valor às pessoas, desde a Maria do cafezinho no escritório ao governador do
Estado, somos única massa, única sociedade, injusta, mas somos.
Figuras
marcantes dessa cidade de Nossa Senhora dos Prazeres, tornaram-se lendárias
pela personalidade, originalidade, trabalho e coragem.
A história
oficial contará a vida dos fidalgos, políticos, artistas e intelectuais. As
figuras humildes, anônimas, porém, importantes na vida cultural, econômica e
política da cidade, são esquecidas na história oficial.
No século passado,
um negro forte, alto, marcou nossa comunidade, Rás Gonguila, dizia-se príncipe,
descendentes de Reis e Rainhas da Etiópia, trazidos escravos, tornaram-se
lideres, fugiram com Zumbi, formaram a República dos Palmares. Gonguila tinha maior
orgulho de sua ancestralidade e de seu título nobiliárquico africano, Rás.
Exímio engraxate,
cadeira na Rua do Comércio, clientela conhecida, políticos, funcionários,
poetas, escritores, ficavam esperando a graxa, conversando. O ponto da graxa
tornou-se encontro de desocupados.
Gonguila alegre,
divertido, carnavalesco, criou, administrou, comandou o bloco "Cavaleiro dos Montes". Todo ano saía à frente do bloco arrastando multidão, orquestra de frevo
tocando “Vou Botar Fora”, “Vassourinhas”. A moçada caía no passo. Bloco de
carnaval, único nivelador da sociedade, misturavam-se pedreiros, engenheiros,
médicos, enfermeiros, desempregados, filhinhos de papai, prostitutas, soldados.
O Negão morava
na Ponta Grossa, cidadão respeitado. Na época não havia associação de moradores,
os líderes lutavam pela melhoria de vida de sua comunidade.
Na eleição de
1950, Theobaldo Barbosa, assessor de Arnon de Mello, candidato a governador,
havia feito contato com Gonguila de muita ascendência sobre os apanhadores,
catadores de sururu da Ponta Grossa, Vergel do Lago, na beira da Lagoa Mundaú.
Arnon se dispôs a visitá-lo. O encontro foi marcado.
Na hora exata,
Arnon e Theobaldo desceram do carro ao lado de um mal iluminado galpão, onde a
turma aguardava reunida. Arnon vendo no lusco-fusco a figura do líder,
avantajada estatura, de branco, negro de lábios grossos, nariz chato, perguntou
em voz baixa a Theobaldo como era mesmo o nome do cidadão. Nisso a figura vem
se aproximando dos dois políticos, Theobaldo, então, cochicha no ouvido de
Arnon:
- Gonguila...
No momento da
resposta de Theobaldo, gritavam “Viva Dr. Arnon!”; a plebe ignara respondia “Viva!”. Arnon ouviu
mal o Theobaldo, não teve tempo de cotejar. Gonguila estendeu-lhe a mão dando:
- Boa noite.
Arnon ofereceu
também sua mão num respeitável cumprimento, dizendo:
- Boa noite, seu Gorila.
Gonguila não
teve dúvida, retrucou firme e de bom tom:
- Gorila é a puta que o pariu, Arnon! Meu nome é Gonguila,
Rás Gonguila!
Apesar das caras
amarradas, alguém soltou uma gargalhada, quebrou o gelo. Arnon desculpou-se,
deu um abraço forte no Negão, conversou com os catadores, catou os votos. Teve
excelente votação no reduto do inimigo, governador Silvestre Péricles, ganhou a
eleição, tornou-se governador do Estado.
Políticos
durante campanha eleitoral procuravam Gonguila. Candidatos a vereador, prefeito,
deputado, até presidente, disputavam o apoio. Na campanha à Presidência da
República houve um comício pró Getúlio Vargas na Ponta Grossa, perto do cine
Lux. O comício bem organizado, muitos oradores à cata de votos no populoso
bairro. Certo momento, anunciaram o líder comunitário, o carnavalesco Rás
Gonguila. Entregaram o microfone ao Negão. Ele não se fez de rogado, arrochou a
voz em tom alto, gritando.
- Amigos da Ponta Grossa, O Doutor Getúlio é o pai
dos trabalhadores do Brasil. Getúlio é o maior brasileiro vivo, merece nosso
voto...
Um bêbado,
colega de copo de Gonguila, assistia o comício embaixo do caminhão.
Impressionado com tantos elogios ao Dr. Getúlio, do chão, gritou debochado,
gozando o amigo:
- Dá o cu a ele, Gonguila!
O Negão parou a
fala, olhou para baixo, identificou o bêbado, apontou o dedo para o amigo,
gritou alto ao microfone.
- Como o seu, e
o dele!
O animador puxou
o microfone de Gonguila, continuou o comício:
- Depois das brilhantes palavras de nosso Rás Gonguila,
vamos ouvir agora o deputado Ari Pitombo!
Assim era o
Negão, não tinha papa na língua, nem se intimidava com figurões. Apesar de
analfabeto, preto, pobre, impunha respeito por sua liderança, honestidade, amor
à cidade de Maceió. Os nomes dos grandolas daquela época estão nas placas de
ruas, colégios, praças. O nome de Gonguila resta apenas em lembranças, em
alguns corações anônimos, amantes dessa cidade.
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