quarta-feira, 27 de dezembro de 2023

MONÓLOGO DE NATAL

Texto de Aldemar Paiva

Eu não gosto de você, Papai Noel!
Também não gosto desse seu papel de vender ilusões à burguesia. Se os garotos humildes da cidade soubessem do seu ódio à humildade, jogavam pedra nessa fantasia.
Você talvez nem se recorde mais... Cresci depressa, me tornei rapaz, sem esquecer, no entanto, o que passou:
Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente e a noite inteira eu esperei, contente, chegou o sol e você não chegou. Dias depois, meu pobre pai, cansado, trouxe um trenzinho feio, empoeirado, que me entregou com certa excitação. Fechou os olhos e balbuciou:
- É pra você, Papai Noel mandou...
E se esquivou, contendo a emoção. Alegre e inocente nesse caso, eu pensei que meu bilhete com atraso, chegara às suas mãos, no fim do mês. Limpei o trem, dei corda, ele partiu dando muitas voltas... Meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez. O resto eu só pude compreender quando cresci e comecei a ver todas as coisas com realidade. Meu pai chegou um dia e disse, a seco:
- Onde é que está aquele seu brinquedo? Eu vou trocar por outro, na cidade...
Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar e, como quem não quer abandonar um mimo que nos deu, quem nos quer bem, disse medroso:
- O senhor vai trocar ele? Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele. E por favor, não vá levar meu trem.
Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio, tanto e tão santo, só Jesus chorou! Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou; ele não deu ouvidos, saiu correndo e nunca mais voltou.
Você, Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou. Sem pai e sem brinquedos. Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre para a riqueza do menino pobre que sonha o ano inteiro com o Natal. Meu pobre pai doente, mal vestido, para não me ver assim desiludido, comprou por qualquer preço uma ilusão e, num gesto nobre, humano e decisivo, foi longe pra trazer-me um lenitivo, roubando o trem do filho do patrão. Pensei que viajara, no entanto, depois de grande, minha mãe, em prantos, contou-me que fôra preso. E, como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia. Foi definhando, até que Deus, um dia, entrou na cela e o libertou pro céu. 

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