terça-feira, 19 de março de 2024

O CARIOCA DA LAGOA DO CAPIM

Texto de Aloisio Guimarães

"Seu" Antônio era um daqueles matutos "mais grosso do que papel de embrulhar pregos". Morador lá nas brenhas de Lagoa do Capim, zona rural de Palmeira dos Índios, situado entre o povoado de Lagoa do Caldeirão e a cidade de Igaci, faz da enxada o seu instrumento cotidiano para sustentar a família. Casado com "dona" Cremilda, sempre desejou que Severino, seu filho único, tivesse mais sorte na vida. Por conta desta preocupação, depois de vários anos de labuta, sob chuva e sol, ele conseguiu juntar um dinheirinho e mandou o menino, já com 18 anos, tentar a sorte na capital carioca.
No Rio de Janeiro, com a ajuda de conhecidos que já moravam na cidade, Severino conseguiu um emprego, de zelador, em um condomínio situado no bairro de Jacarepaguá.
O tempo passou...
Depois de quatro anos economizando tudo que sobrava da merreca do seu salário, Severino podia, enfim, visitar a sua terra natal e rever os seus queridos pais. Mas, para fazer uma surpresa aos velhos, ele resolveu não avisar da sua visita.
Após três dias de viagem, sentado na última fileira da poltrona de um ônibus da Auto Viação São Geraldo, bem em frente ao sanitário, sentido a catinga de merda dos outros, Severino chegou em Palmeira dos Índios. Assim que desembarcou na Avenida Muniz Falcão, em frente ao extinto Cine São Luiz,  (onde ficava a sede da empresa de ônibus) Severino colocou seus óculos escuros (ray ban "paraguaio", modelo aviator), alugou um "Carro de Praça" (como eram chamados os táxis) e se mandou para a sua querida Lagoa do Capim. Após os abraços na velha mãe, com direito a choro e entrega de presente, ele perguntou, carregando de propósito no sotaque carioca:
- Ô, Manhê, cadê o papi?
- Mininu, vêji cuma ocê vai falá cum seu pai, ôcê sabi muito bem cuma ele é... Ele tá lá no roçadu di mio...
Ouvindo a resposta da mãe, Severino imediatamente se dirigiu para o local indicado. Já era por volta do meio-dia e fazia um calor desgraçado. De longe, ele avistou o seu pai, como sempre, trabalhando "no cabo da enxada". Tão logo se aproximou do "seu" Antônio, novamente carregando no sotaque carioca, Severino foi logo sapecando:
- E aí, coroa, puxando cobra pros pés?
"Seu" Antônio, com aquela educação que Deus não lhe deu, ouvindo o estranho sotaque do filho, nem levantou os olhos e disparou:
- É mió du qui puxá cobra pru cu!

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