Texto de Aloisio Guimarães
A vida é cheia de passagens
hilárias, embora existam momentos de profunda tristeza. Conto-lhes, a
seguir, um desses momentos cômicos da minha infância, tendo como personagem o
meu irmão mais velho, Luiz Antônio - "Lutonho", para a família
- em confronto com o temperamento e o rigor que tinha o velho Aloisio "Gordinho”, o nosso saudoso pai, na nossa educação e formação moral
Vamos ao causo...
Nos
meados da década de 70, em Palmeira dos Índios, próximo à agência dos Correios
e Telégrafos, vizinho à oficina mecânica do saudoso Dudé, morava Geraldo "Patinha”, um sujeito avermelhado, cara de castanha,
epiléptico, bastante nervoso e sempre molhado de suor e com a barba para fazer. O Geraldo "Patinha” gostava
de tomar umas biritas e diariamente frequentava o “Senadinho” - o bar
do meu pai, que ficava vizinho ao Aeroclube - o principal clube social da
cidade.
Até hoje não sabemos porque cargas d’águas, o
nosso pai colocou este apelido no cara; talvez, motivado por algum imbróglio do
dito cujo com alguma patinha de siri, um tira-gosto muito popular nos
bares alagoanos.
Naquela
época, trabalhava na casa do “Patinha” uma empregada doméstica, muito
baixinha, bem gordinha, fedorenta e feia pra cacete! E como a turma não perdoa
nada, colocaram o apelido na sujeita de Maria "Porquinha”, numa clara
alusão à figura do suíno. Portanto, meu amigo, se alguém, um dia, mandar você
imaginar uma pessoa horrível, a resposta é Maria "Porquinha”.
Era do
conhecimento da rapaziada da cidade (Luiz Antônio, Jazon, João Canfifa, Tadeu
Cavalcante...) que, à noite, nas suas horas vagas, ao término da sua jornada de
trabalho, Maria "Porquinha” costumava "fazer bico” como “piniqueira”
- como eram chamadas aquelas empregadas domésticas que “davam” em troca
de uma besteira qualquer, fosse um maço de cigarros, um perfume comprado na
feira ou até mesmo um sabonete Palmolive. Agora, cá para nós, era preciso ter “muita
fome” ou muita “cachaça no rabo” para um sujeito aguentar comer Maria "Porquinha”!
Pois bem,
certa noite, aproveitando a ausência dos donos da casa e “subindo pelas
paredes”, a Maria "Porquinha”, inventou de fazer uma suruba,
justamente na residência do seu patrão e, pior ainda, na cama do casal. E não é
que, “bobeada” ou “anestesiada” com tanto amor que recebeu ao
mesmo tempo durante a noite, a Maria "Porquinha” se esqueceu de limpar
os vestígios de espermatozoides que ficaram nos lençóis da cama, após o
fervoroso bacanal! Aí, meu amigo, foi o fim do mundo. Ao chegar de viagem e ao
se deparar com a bagunça no seu quarto, Geraldo "Patinha” ficou possesso e foi logo perguntar ao seu amigo Dudé - o dono da oficina, seu vizinho - se ele
tinha visto alguma coisa de anormal ou viu alguém entrar na sua residência,
quando ele estava viajando. Como resposta, Dudé lhe informou:
-
Geraldo, a única coisa que eu vi foi o filho do Aloisio "Gordinho”, em
altos papos com a Maria "Porquinha”, no portão da sua casa...
Pronto,
explodiu uma bomba no “Senadinho” - o bar do meu pai - quando “Patinha”
foi tomar satisfações com ele e com meu irmão, ameaçando todo mundo.
Indignado com a acusação do
sujeito, papai chamou meu irmão e perguntou, aos berros:
- Luiz
Antônio, você comeu Maria "Porquinha”?! Você comeu a “Porquinha”, Luiz
Antônio?!...
Pela entonação
da sua voz, talvez papai pensasse até que o Luiz Antônio ainda fosse “donzelo”. Coitado
do meu irmão...
Nesse
momento fiquei encucado porque jamais tinha ouvido uma expressão
daquela. Até então, não sabia que "mulé
se comia". Inocente, eu sabia apenas que se comia feijão,
arroz, cuscuz... Mas "mulé", nunca tinha ouvido falar!
Ao ouvir
os gritos do papai, cabisbaixo, pálido e pasmado, a resposta de Luiz Antônio
foi uma negativa:
- Não,
papai, eu não comi a “Porquinha”. Apenas, eu vinha descendo da Festa de Natal,
na Praça da Independência, e ela me pediu um cigarro...
Puta que
pariu! E não é que nessa hora o Luiz Antônio esqueceu que o nosso pai detestava
cigarro mais do que tudo na vida, tanto que, ao ouvir a sua justificativa, papai
ficou possesso de raiva e nem deixou meu irmão continuar:
–
Cigarro?! E você fuma, Luiz Antônio?!
Ao mesmo
tempo em que proferia a indagação, papai sapecou um tabefe no “escutador de
novelas” do meu irmão, sem ter dado tempo dele responder se tinha ou não
comido a “Porquinha”. Até hoje, quando Luiz Antônio se lembra
do tapa que levou nessa hora, o ouvido esquerdo dele começa a zumbir...
Profundamente
magoado e irritado com a invasão da sua casa, “Patinha” levou o caso à
Promotoria Pública, denunciando meu irmão de vários delitos. Mas, graças à
interferência do saudoso ícone da literatura palmeirense Luiz B.
Torres, irmão do renomado promotor José Torres e padrinho de Luiz
Antônio, a ocorrência foi amenizada na sua denúncia.
Nesse intervalo, para não ser
preso, o meu irmão teve que passar uns dias fora da cidade, escondido em
Minador do Negrão, em casa de parentes, até que os amigos do nosso pai domassem
o Geraldo "Patinha”. E nada melhor do que o tempo para curar todas as
feridas: o “Patinha” retirou a queixa, deu o caso por encerrado, mas
sobrou para a coitada da “Porquinha”: perdeu o emprego.
Durante
muitos anos, o meu irmão ficou conhecido na cidade como “Luiz,
O Comedor de Porquinhas”. A verdade é que, entre “patinhas” e “porquinhas”,
o “cacete comeu” no pé de ouvido do meu irmão que, até hoje, nega ter
sido o “porco” que comeu a “Porquinha”.
Deste
episódio da minha infância, duas perguntas, ainda não
respondidas, tiram o meu sossego:
- Por que será que “Lisontonho” é
louco por carne de porco? E se ele diz que não comeu, quem peste comeu Maria "Porquinha”?
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