Texto
de Carlito Lima
Rosário, dois anos de casada não engravidava, o sonho era
um filho, consultou médicos da cidade, do Recife, Rio de Janeiro, ninguém
conseguiu diagnosticar, corpo sem problemas mostravam os exames. Ela não se
conformava, marcou consulta para depois do carnaval com o mais competente
médico do Brasil, Eucimar Coutinho em Salvador. O marido, André Bandeiras,
também apresentava normalidade nos exames de esperma, mistério da medicina. A
esperança de Rosário era o médico baiano.
O jovem casal vivia em harmonia, os dois trabalhavam,
tinham uma vida simples, sem gastos supérfluos, sonhavam apenas com um menino
para reinar naquele apartamento confortável, bem decorado, na praia da Jatiúca.
Certo dia, Rosário sentiu alguma mudança no comportamento do marido, não sabia
o que era, o instinto feminino despertou-lhe sensação de suspeita de alguma
coisa estar acontecendo. Certa noite sua sensibilidade instintiva inspirou
algumas perguntas ao marido. Pelas respostas vagas, evasivas sem convicção,
Rosário teve certeza, havia alguma coisa no ar além dos urubus, pombos e nuvens
passageiras. Começou a investigar suas roupas, números de celular, nenhum
vestígio, nenhuma pista deixada. Convenceu-se, era apenas ciúme de mulher sem
filho ou coisa parecida. Quando num entardecer André lhe telefonou avisando,
chegaria um pouco mais tarde, visitava um cliente. Após atender, ela deixou seu
celular em cima da mesinha, continuou a ver um filme na televisão. Certo
momento escutou pequeno barulho no celular, colocou-o ao ouvido, ficou pasmada
ao ouvir o marido conversar com uma pessoa, com nítida clareza. Ele não havia
desligado o celular.
- ... preciso
ver coisas novas, viajar pelo mundo, sou muito novo, casei-me cedo, minha
mulher quer filho, não sei se quero, ainda bem que não engravida, tem algum
problema, não sei se é meu ou dela, mas o que quero nesse instante minha
querida, é fazer amor, venha, me abrace, quero você cada dia mais. Telefonei
para casa, tenho mais de uma hora para lhe amar nesse motel maravilhoso. Aída
querida, sempre fui tarado por você desde solteiro, agora estamos casados, seu
marido conheço pouco, mas jamais vai lhe dar tanto amor, sexo selvagem e
carinho como lhe dou, venha...
Interrompeu-se a conversa, o celular de repente ficou
mudo. A cabeça de Rosário virava, ela tentava acalmar-se, entretanto, a emoção
forte quebrou jarros, cristais, o que tinha por perto. Chorou, se
acalmou. Primeira providência, procurou na agenda o número do telefone do
marido de Aída, conhecia o corno do Almeida. Cobriu o telefone com um
guardanapo, falou bem devagar.
- É Seu
Almeida? - ao confirmar, prosseguiu - Olhe sua mulher nesse momento está com um amante no Motel X.
Desligou o telefone sem dar tempo de Almeidinha falar,
arriscou o nome do Motel, sabia ser o preferido do marido, levou-a muitas
vezes, desde solteiros.
Rosário entrou no quarto do casal, foi juntando roupas
masculinas, fez três trouxas de calças, camisas, paletós, cuecas, bermudas,
deixou as trouxas na portaria do prédio. Ficou esperando André, sem lágrimas.
Eram oito e meia da noite quando ele chegou com fisionomia preocupada, tentando
apresentar normalidade, foi perguntando:
- Tudo bem querida?
- sorriu amarelo.
Ela explodiu, gritando com toda raiva acumulada:
- Tudo bem é a
p.q.p., você é um canalha, um f.d.p., safado, ouvi toda sua conversa com a
vadia da Aída no motel, o celular não desligou. Agora saía dessa casa antes de
fazer uma besteira, seu f.d.p. - apontou-lhe o revólver novinho, presente de
casamento de seu pai.
André entre surpreso e desesperado, gritava:
- Não atire
Rosário, não acabe minha vida, guarde esse revolver, me perdoe querida, eu
explico.
- Covarde! Suas
trouxas estão na portaria, desapareça da minha frente ou dou um tiro nos seus
cornos.
André abriu a porta, desceu correndo pela escada,
escafedeu-se, nunca mais pisou no apartamento. Naquela mesma noite, Rosário
tomou um banho de banheira, relaxante, colocou um vestido preto, perfumou-se,
pintou-se, foi à guerra, saiu na noitada. Hoje, é conhecida boemia da cidade,
dá para quem quer, tem apenas uma dúvida, não sabe e não quer saber quem é o
pai do filho que leva na barriga.
É... mais uma das "utilidades" do celular... Muito bom!
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