segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

CONVERSAS CELULARES

Texto de Carlito Lima

 
Rosário, dois anos de casada não engravidava, o sonho era um filho, consultou médicos da cidade, do Recife, Rio de Janeiro, ninguém conseguiu diagnosticar, corpo sem problemas mostravam os exames. Ela não se conformava, marcou consulta para depois do carnaval com o mais competente médico do Brasil, Eucimar Coutinho em Salvador. O marido, André Bandeiras, também apresentava normalidade nos exames de esperma, mistério da medicina. A esperança de Rosário era o médico baiano.
O jovem casal vivia em harmonia, os dois trabalhavam, tinham uma vida simples, sem gastos supérfluos, sonhavam apenas com um menino para reinar naquele apartamento confortável, bem decorado, na praia da Jatiúca. Certo dia, Rosário sentiu alguma mudança no comportamento do marido, não sabia o que era, o instinto feminino despertou-lhe sensação de suspeita de alguma coisa estar acontecendo. Certa noite sua sensibilidade instintiva inspirou algumas perguntas ao marido. Pelas respostas vagas, evasivas sem convicção, Rosário teve certeza, havia alguma coisa no ar além dos urubus, pombos e nuvens passageiras. Começou a investigar suas roupas, números de celular, nenhum vestígio, nenhuma pista deixada. Convenceu-se, era apenas ciúme de mulher sem filho ou coisa parecida. Quando num entardecer André lhe telefonou avisando, chegaria um pouco mais tarde, visitava um cliente. Após atender, ela deixou seu celular em cima da mesinha, continuou a ver um filme na televisão. Certo momento escutou pequeno barulho no celular, colocou-o ao ouvido, ficou pasmada ao ouvir o marido conversar com uma pessoa, com nítida clareza. Ele não havia desligado o celular.
- ... preciso ver coisas novas, viajar pelo mundo, sou muito novo, casei-me cedo, minha mulher quer filho, não sei se quero, ainda bem que não engravida, tem algum problema, não sei se é meu ou dela, mas o que quero nesse instante minha querida, é fazer amor, venha, me abrace, quero você cada dia mais. Telefonei para casa, tenho mais de uma hora para lhe amar nesse motel maravilhoso. Aída querida, sempre fui tarado por você desde solteiro, agora estamos casados, seu marido conheço pouco, mas jamais vai lhe dar tanto amor, sexo selvagem e carinho como lhe dou, venha...
 Interrompeu-se a conversa, o celular de repente ficou mudo. A cabeça de Rosário virava, ela tentava acalmar-se, entretanto, a emoção forte quebrou  jarros, cristais, o que tinha por perto. Chorou, se acalmou. Primeira providência, procurou na agenda o número do telefone do marido de Aída, conhecia o corno do Almeida. Cobriu o telefone com um guardanapo, falou bem devagar.
- É Seu Almeida? - ao confirmar, prosseguiu - Olhe sua mulher nesse momento está com um amante no Motel X.
Desligou o telefone sem dar tempo de Almeidinha falar, arriscou o nome do Motel, sabia ser o preferido do marido, levou-a muitas vezes, desde solteiros.
Rosário entrou no quarto do casal, foi juntando roupas masculinas, fez três trouxas de calças, camisas, paletós, cuecas, bermudas, deixou as trouxas na portaria do prédio. Ficou esperando André, sem lágrimas. Eram oito e meia da noite quando ele chegou com fisionomia preocupada, tentando apresentar normalidade, foi perguntando:
- Tudo bem querida? - sorriu amarelo.
Ela explodiu, gritando com toda raiva acumulada:
- Tudo bem é a p.q.p., você é um canalha, um f.d.p., safado, ouvi toda sua conversa com a vadia da Aída no motel, o celular não desligou. Agora saía dessa casa antes de fazer uma besteira, seu f.d.p. - apontou-lhe o revólver novinho, presente de casamento de seu pai.
André entre surpreso e desesperado, gritava:
- Não atire Rosário, não acabe minha vida, guarde esse revolver, me perdoe querida, eu explico.
- Covarde! Suas trouxas estão na portaria, desapareça da minha frente ou dou um tiro nos seus cornos.
André abriu a porta, desceu correndo pela escada, escafedeu-se, nunca mais pisou no apartamento. Naquela mesma noite, Rosário tomou um banho de banheira, relaxante, colocou um vestido preto, perfumou-se, pintou-se, foi à guerra, saiu na noitada. Hoje, é conhecida boemia da cidade, dá para quem quer, tem apenas uma dúvida, não sabe e não quer saber quem é o pai do filho que leva na barriga.

Um comentário: