Era uma vez um rapaz que desejava ir
até Manaus, de bicicleta, partindo de São Paulo. A família ficou assustada
com o sonho do jovem, mas não poderia impedir que ele concretizasse seu
sonho. E assim aconteceu. Certo dia ele juntou algumas
coisas na mochila, preparou sua bicicleta, juntou uns trocados e
partiu.
De Santo Amaro ele atingiu a marginal
Tietê, depois a Via Anhanguera. Era uma viagem solitária, muitas
pedaladas, vislumbrando a paisagem, o frescor do vento, vivendo o
sonho de aventura. Dormiu em lugares estranhos, mas para ele era
plenamente normal. Qualquer canto era um bom local para parar, quando
necessitava descansar. Tudo ia bem até que sua bicicleta apresentou um problema
sério. Estava um pouco além de Campinas-SP, não tinha dinheiro para
substituir uma peça importante, por isto preferiu vendê-la e seguir sua
trajetória de carona.
O primeiro caminhoneiro que o ajudou
estava seguindo para o sul de Minas Gerais. Ele não planejara ir até
aquela cidade, tornou-se uma aventura sem escolha de rota. Além da
gentil carona, ganhou uma deliciosa refeição, feita no próprio
caminhão. Também ganhou café e pão com margarina. O motorista ficara
feliz com o acompanhante, pois achava triste viajar sozinho. Dissera
ao Noel que gostara dele, poderia ser seu filho, havia semelhança
entre eles.
Chegando à cidade Noel agradeceu a
carona e seguiu a aventura. Alterara seus planos, pois agora
estava sem bicicleta, com pouco dinheiro. Já que não podia ir a
Manaus, conheceria a capital do Brasil. Da cidade onde estava
conseguiu outra carona até uma cidade onde havia linha de trem. Chegando
lá soube que o trem para Montes Claros sairia somente pela manhã.
Na estação havia outros mochileiros
como ele e um rapaz que nem mochila tinha, o qual foi apelidado pelo grupo de
“Sem Nome”. O pessoal achou estranho o rapaz não querer
identificar-se, poderia ter mentido, arranjado um nome fictício, mas ele
nem se esforçou. Como havia coisa mais séria para pensar, não
se importaram com isto.
A temperatura estava diminuindo, não
seria fácil passar a noite ali. Então eles se cotizaram, foram até um
boteco próximo e compraram uma bebida para esquentar. Formou-se um grupo
animado. O “Sem Nome” não ajudou a pagar, mas também não bebeu. Noel
apenas experimentou, os demais consumiram toda a bebida. Cada um
contava algo, trocavam experiências, falavam de suas vidas, projetos,
riram bastante até o sono chegar.
O pessoal que bebeu adormeceu
rapidamente, mas Noel ficou acordado por um bom tempo, até que o
cansaço o dominou. Ainda estava escuro, muito frio, Noel acordou
antes dos demais. Foi então que percebeu a falta de um deles, o “Sem
Nome”. Achou estranho. Quando se virou para retirar algo de sua
mochila notou que ela não estava ali. Imediatamente percebeu o que
acontecera. O “Sem Nome” deixou todos beberem à vontade, para que ao
adormecerem fosse mais fácil praticar o furto. A vítima tinha sido ele,
pois os outros dormiram fazendo suas mochilas de travesseiro. A mochila de Noel
ficara solta! Então Noel gritou:
- Este
safado não podia me roubar assim. Agora ele verá o que é alguém com
raiva.
Noel estava apenas com a roupa do
corpo, sem documentos, sem dinheiro, sem nada. Estava descontrolado,
nervoso, acordou todo mundo. O pessoal ficou impressionado, cada um
falando uma coisa. Então o Noel percebeu que um trem de carga estava se
aproximando. Ele foi ágil, perguntou se alguém tinha uma faca, um
canivete, qualquer coisa. Um deles deu uma faca para o Noel e ele correu
em direção ao trem de carga, pulou em um dos vagões, seguindo rumo a Montes
Claros. Ninguém do grupo acreditava que o furtado pudesse reaver sua
mochila, ninguém o acompanhou.
Noel tinha plena certeza que
encontraria o safado, calculara que ele estaria andando pela estrada
que margeava a linha de trem. Então depois de alguns minutos em cima do
vagão, achou que seria o momento de pular e caminhar sentido
contrário, na tentativa de encontrar o safado.
Pulou, se arranhou, mas a raiva
que estava era a sua energia propulsora. Ficou alguns segundos
deitado, em seguida levantou-se, dando início a sua caminhada. A
madrugada estava fria, os dormentes molhados, a neblina dificultava a
visão. Ainda assim, estava certo que algo aconteceria a seu favor...
De repente Noel escutou um som de
gaita. Era a sua gaita, que estava na mochila. Percebera que estava perto
do safado. Então saiu da linha de trem e foi para a estradinha de chão, ao
lado. Ficou a espreita na curva enquanto escutava o som da gaita se
aproximando, o som indicando que estava bem próximo. Não demorou muito e
avistou o “Sem Nome”, caminhando tranquilamente, tocando a gaita
furtada. Assim que o fulano ficou bem perto, Noel deu um salto
em cima dele, apontando a faca e o xingando. O “Sem Nome” deu um
salto, um gritão, jogou a mochila e a gaita no chão e saiu correndo, como
um leopardo. Noel nunca usara uma faca a não ser nas condições
normais, mas só de apontá-la ao sujeito foi o suficiente para assustá-lo. Ninguém
saiu ferido, felizmente.
Noel então caminhou pela estrada até
chegar à próxima cidade. Na cidadezinha, felizmente. conseguiu outra
carona. E finalmente chegou a Montes Claros, na Estação de
Trem, onde parte dos mochileiros ainda estava aguardando outro
trem. Todos ficaram felizes, festejaram a chegada do
Noel, o trataram como se fosse o maior valente do pedaço.
Esta foi uma das histórias do
Noel, meu irmão. Toda vez que repetia a história conseguíamos
rir, sem parar, pelo jeito engraçado que narrava.
Saudades, meu irmão. Sinto
saudades de você, de suas histórias. Infelizmente ele foi atingido
fatalmente ao praticar o esporte que amava. Nada aconteceu com a bike, só
com ele.
Fico agradecida e lisonjeada por compartilhar esta história, vivida por Noel Moreno Leite, no seu blog. Fraternal abraço.
ResponderExcluirUma excelente mensagem de amor não pode ser deixada de lado. Os nossos familiares e parentes que já se foram devem ser sempre lembrados, por tudo aquilo que representaram em nossa vida.
ResponderExcluirBelo e emocionante texto.
Abraço.