Texto
de Carlito Lima
- Que decepção Leonardo! Você é boiola! Nunca imaginei, estou
traumatizada, não consigo acreditar no que vi, com meus olhos!
Resmungou Raimunda,
irada, chorando diante do marido, os dois sentados à mesa da sala de seu
apartamento, Leonardo cabisbaixo, cotovelos à mesa, mãos aparando o rosto,
lágrimas caíam, só conseguiu dizer:
- Eu lhe amo Mundinha, mas tenho essa fraqueza, esse vício, não me
contenho quando começa aquela comichão, vindo de baixo até às entranhas.
- Logo com Adalberon, seu maior amigo e compadre, padrinho do Felipinho,
fugiu com medo, ainda bem que nosso filho tem um ano, não entende. Que Nojo! Em
nossa cama às quatro da tarde, você de quatro na cama! O local sacrossanto de
um casal foi desonrado. Não quero saber detalhes, fique calado. Vou pensar o
que fazer de minha vida, nem de longe quero vê-lo - desabafou Raimunda.
Levantou-se, com
desprezo cuspiu no marido, trancou-se no quarto. Leonardo tremia de culpa, de
medo, de angústia, suava frio, vontade de se jogar pela janela, do segundo andar. Quebraria apenas duas pernas, pensou.
Passaram-se duas horas, mais calmo, conseguiu telefonar para Adalberon:
- Oi querido, que merda! Quem ia supor Mundinha retornar do emprego tão
cedo? Vacilamos, azar, estou com vontade de morrer, quero lhe ver.
- Léo, minha cabeça está a mil, só penso no Pedrinho, me apeguei ao
menino, como se fosse filho. Vamos dar um tempo colocar a cabeça no lugar,
deixar a poeira baixar, depois a gente se telefona.
Raimunda passou a noite
trancada, não quis saber de conversa, Léo cuidou de Pedrinho com carinho, como
sempre. Dormiu no quarto do filho à custa de lexotan.
Dia seguinte pela manhã,
a porta do quarto de casal estava aberta, ele olhou, não viu a esposa, percebeu
um envelope branco em cima da cabeceira. Retirou uma carta, leu devagar,
emocionado.
- Leonardo, nessa manhã estou pegando um avião para Fortaleza, meus pais
me chamaram, vou morar com eles. Infelizmente não posso levar o Pedrinho, sei
que você cuida bem dele, pelo menos isso, e dar o rabo, você sabe fazer. Quando
eu estiver empregada venho buscar meu filho. Raimunda.
A carta e a ausência da
esposa aliviaram Leonardo. Ele trabalha em casa com projetos, dar assessoria a
algumas prefeituras, necessita apenas computador e celular, não tem patrão.
Tentou ligar para a esposa, não atendeu. Adalberon apareceu ainda pela manhã,
queria ver o afilhado, louco pela criança, afeiçoou-se a Pedrinho.
Meses se passaram sem
notícias de Raimunda, os dois formaram um casal gay, tão em moda. Beron
praticamente era babá e mãe da criança. Muito fuxico dos vizinhos, inclusive,
moradores preconceituosos do prédio tentaram expulsar o casal gay. Apartamento
próprio, sequer foram à Justiça, não saíram, enfrentaram os preconceitos.
Certa noite bateram à
porta do apartamento, apareceu Raimunda surpreendente, foi enfática, estava
trabalhando no Ceará, queria o divórcio e levar o menino. Choro geral, eles
recusaram, não dariam a guarda de Felipe. Ela contratou uma advogada, retornou
à Fortaleza. Depois de algumas audiências, o juiz deu ganho à Raimunda.
Imediatamente ela retornou a Maceió, assinou o divórcio, levou o filho para
Fortaleza, sob protestos e choros da dupla Beron e Léo. Nunca se acostumaram à
falta de Pedrinho, catástrofe doméstica.
O tempo foi passando, um
vazio sem Pedrinho. De repente Adalberon desapareceu do apartamento, da cidade,
Léo o procurou desesperadamente. Ninguém encontrava Beron. Certo dia alguém deu
a notícia: Adalberon estava morando em Fortaleza. Ele convenceu Raimunda, seria
um excelente babá, tinha um amor, um apego, inexplicável por Pedrinho, tomaria
conta do menino sem remuneração, apenas comida. Logo arranjou um emprego,
ajudou a mãe da criança. Conversando com Raimunda, confessou detalhes de seu
relacionamento gay, ele, Beron, era Papacus e Léo, Dadacus. Inesperadamente aconteceu uma noitada de
amor, ajudados pela cervejinha. Raimunda, carente, gostou e aceitou. Hoje vivem
maritalmente, Pedrinho bem cuidado, um casal simpático aos vizinhos.
Leonardo ao saber da
notícia, desabou a chorar, sem Raimunda, sem Adalberon, vida inútil. Fez
tratamento psiquiátrico, melhorou a cabeça, não quer mais acasalamentos, quando
aparece a tal comichão, vai à luta satisfazer seus desejos, sem esquecer
jamais, seus dois amores.
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