quarta-feira, 18 de março de 2015

DOIS AMORES

Texto de Carlito Lima

- Que decepção Leonardo! Você é boiola! Nunca imaginei, estou traumatizada, não consigo acreditar no que vi, com meus olhos!
Resmungou Raimunda, irada, chorando diante do marido, os dois sentados à mesa da sala de seu apartamento, Leonardo cabisbaixo, cotovelos à mesa, mãos aparando o rosto, lágrimas caíam, só conseguiu dizer:
- Eu lhe amo Mundinha, mas tenho essa fraqueza, esse vício, não me contenho quando começa aquela comichão, vindo de baixo até às entranhas.
- Logo com Adalberon, seu maior amigo e compadre, padrinho do Felipinho, fugiu com medo, ainda bem que nosso filho tem um ano, não entende. Que Nojo! Em nossa cama às quatro da tarde, você de quatro na cama! O local sacrossanto de um casal foi desonrado. Não quero saber detalhes, fique calado. Vou pensar o que fazer de minha vida, nem de longe quero vê-lo - desabafou Raimunda.
Levantou-se, com desprezo cuspiu no marido, trancou-se no quarto. Leonardo tremia de culpa, de medo, de angústia, suava frio, vontade de se jogar pela janela, do segundo andar.  Quebraria apenas duas pernas, pensou. Passaram-se duas horas, mais calmo, conseguiu telefonar para Adalberon:
- Oi querido, que merda! Quem ia supor Mundinha retornar do emprego tão cedo? Vacilamos, azar, estou com vontade de morrer, quero lhe ver.
- Léo, minha cabeça está a mil, só penso no Pedrinho, me apeguei ao menino, como se fosse filho. Vamos dar um tempo colocar a cabeça no lugar, deixar a poeira baixar, depois a gente se telefona.
Raimunda passou a noite trancada, não quis saber de conversa, Léo cuidou de Pedrinho com carinho, como sempre. Dormiu no quarto do filho à custa de lexotan.
Dia seguinte pela manhã, a porta do quarto de casal estava aberta, ele olhou, não viu a esposa, percebeu um envelope branco em cima da cabeceira. Retirou uma carta, leu devagar, emocionado.
- Leonardo, nessa manhã estou pegando um avião para Fortaleza, meus pais me chamaram, vou morar com eles. Infelizmente não posso levar o Pedrinho, sei que você cuida bem dele, pelo menos isso, e dar o rabo, você sabe fazer. Quando eu estiver empregada venho buscar meu filho. Raimunda.
A carta e a ausência da esposa aliviaram Leonardo. Ele trabalha em casa com projetos, dar assessoria a algumas prefeituras, necessita apenas computador e celular, não tem patrão. Tentou ligar para a esposa, não atendeu. Adalberon apareceu ainda pela manhã, queria ver o afilhado, louco pela criança, afeiçoou-se a Pedrinho.
Meses se passaram sem notícias de Raimunda, os dois formaram um casal gay, tão em moda. Beron praticamente era babá e mãe da criança. Muito fuxico dos vizinhos, inclusive, moradores preconceituosos do prédio tentaram expulsar o casal gay. Apartamento próprio, sequer foram à Justiça, não saíram, enfrentaram os preconceitos.
Certa noite bateram à porta do apartamento, apareceu Raimunda surpreendente, foi enfática, estava trabalhando no Ceará, queria o divórcio e levar o menino. Choro geral, eles recusaram, não dariam a guarda de Felipe. Ela contratou uma advogada, retornou à Fortaleza. Depois de algumas audiências, o juiz deu ganho à Raimunda. Imediatamente ela retornou a Maceió, assinou o divórcio, levou o filho para Fortaleza, sob protestos e choros da dupla Beron e Léo. Nunca se acostumaram à falta de Pedrinho, catástrofe doméstica.
O tempo foi passando, um vazio sem Pedrinho. De repente Adalberon desapareceu do apartamento, da cidade, Léo o procurou desesperadamente. Ninguém encontrava Beron. Certo dia alguém deu a notícia: Adalberon estava morando em Fortaleza. Ele convenceu Raimunda, seria um excelente babá, tinha um amor, um apego, inexplicável por Pedrinho, tomaria conta do menino sem remuneração, apenas comida. Logo arranjou um emprego, ajudou a mãe da criança. Conversando com Raimunda, confessou detalhes de seu relacionamento gay, ele, Beron, era Papacus e Léo, Dadacus.  Inesperadamente aconteceu uma noitada de amor, ajudados pela cervejinha. Raimunda, carente, gostou e aceitou. Hoje vivem maritalmente, Pedrinho bem cuidado, um casal simpático aos vizinhos.
Leonardo ao saber da notícia, desabou a chorar, sem Raimunda, sem Adalberon, vida inútil. Fez tratamento psiquiátrico, melhorou a cabeça, não quer mais acasalamentos, quando aparece a tal comichão, vai à luta satisfazer seus desejos, sem esquecer jamais, seus dois amores.

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