Texto de Rubens Mário
PROFESSOR E ADMINISTRADOR DE EMPRESAS
PROFESSOR E ADMINISTRADOR DE EMPRESAS
Se aproxima mais uma festa de São João. Acredito que esse é
o período, culturalmente, mais rico e o mais bonito do ano. Outrora, na véspera
de São João - o santo mais festejado - a cidade se transformava, com a maioria
das suas ruas, ainda de terra, toda enfeitada com os motivos juninos e ficando
parecida com uma gostosa província interiorana. Toda a cidade ficava decorada
com bandeirolas coloridas, independente de ser ano de copa do mundo. Naquele
dia especial, quase todas as famílias tinham um ritual a cumprir. Na nossa
casa, por exemplo, na Rua da União, em frente à saudosa praça da faculdade,
como tínhamos um estoque bastante grande de madeira no nosso imenso quintal - o
nosso pai tinha mandado derrubar a casa de taipa e a substituído por outra de
alvenaria - logo cedo já separávamos os paus para a imponente fogueira. Nesse
momento já começávamos a pensar nos fogos que o nosso pai, com certeza, iria
trazer quando saísse da alfaiataria no beco de São José. À tarde, por volta das
16:00h., os moradores varriam o terreiro onde iam ser edificadas as fogueiras;
de todas as casas saiam madeiras
velhas e cada família se esforçava para
fazer a maior e mais bonita fogueira; ao lado delas, muitos fincavam, pés de bananeiras ou
qualquer outra planta às quais
chamávamos de mastro. No cair da tarde todo o trabalho estava concluído
e as ruas se transformavam em lindos arraiás. À noite, para nossa alegria maior,
nosso pai chegava com pacotes de fogos, e nós – eu e meu irmão Robson - abríamos curiosos
para saber o que tinha ali dentro; encontrávamos estalos bebés, traques,
chuvinhas, diabinhos, estrelinhas, espanta coiós, e etc. Para a nossa mãe ele
trazia, rodinhas, foguetes e vulcões. À essas alturas, a minha mãe já tinha
preparado a deliciosa canjica de milho
verde. No meio da noite as fogueiras eram acesas e aí atingíamos o ponto
culminante da grande festa. Os balões, naquela época, inofensivos, eram soltos
sem maldade pelos adultos e enfeitavam o céu já iluminado pelas milhares de
fogueiras. Nós, na nossa inocência infantil, corríamos pelas ruas do Prado com
espelhinhos redondos acompanhando as trajetórias dos balões no céu, até
observarmos as suas quedas, geralmente, na lagoa mundaú. Quando conseguíamos
resgatar as sobras de um balão apagado, levávamos aquilo como um troféu para
mostrar aos mais velhos. Quando, para a tristeza geral, as fogueiras começavam
a virar brasas, era chegada a hora de assar o milho verde ou a batata doce.
Toda essa festa esfuziante era animada pelas lindas músicas do Luiz Gonzaga, da
Marinês e sua gente, do Jackson do pandeiro, da Cremilda, da Carmélia Alves e
tantos outros.
Hoje, com o advento da perversa globalização, e a abrupta e
cruel transformação da nossa pequenina cidade em uma desengonçada metrópole,
perdemos a nossa sensibilidade e permitimos que invasores ignorantes e insanos
destruíssem a nossa rica cultura. Para que se tenha uma ideia desse crime
hediondo, vou citar um absurdo que fui obrigado a presenciar na véspera de
Santo Antônio na minha saudosa praça da faculdade onde funcionava mais uma
feira camponesa. Naquele dia foi anunciado o último show com a realização de um
bingo cujo prêmio seria um carneiro. Pedi que os meus vizinhos da Rua São
Domingos atrasassem a queima da única fogueira daquela região, e fui, todo
entusiasmado, assistir, junto com nossos irmãos campesinos, a, suposta, apresentação
de um trio de forró pé de serra. Para a minha tristeza e decepção, encontrei lá
um sujeito tocando um órgão e cantando de forma atabalhoada, coisas, naquele
momento, naquele dia e naquele evento, totalmente desrespeitosas e agressivas à
nossa desrespeitada cultura. Imediatamente, me retirei do local a tempo de
acender a nossa fogueira solitária, vê-la queimar, ouvir as músicas da época,
comer nossa canjica, nosso milho assado na brasa, tomar nossa cerveja gelada e,
silenciosamente, perguntar: cadê a nossa tradição que tinha aqui?
Quanta verdade no que você disse!!
ResponderExcluirE triste, como você, digo: "Cadê as tradições que estavam aqui?".
Parabéns!