Antonio Vendramini (era o meu avô de
apelido Tonella) nasceu na cidade de Treviso, na Itália em 1882.
Sua família embarcou na oportunidade
aberta aos europeus pelo governo imperial, na pessoa da princesa Isabel, com a
finalidade de, em um futuro bem próximo, substituir a mão-de-obra negra e
também branquear a raça, na ocasião composta por maioria de escravos.
A família e alguns outros imigrantes
foram parar em uma fazenda de café na cidade de Jaú, Estado de São Paulo, mais
precisamente no Distrito de Banharão, onde trabalharam arduamente na colheita
dos grãos que se transformavam na magnífica bebida de fama internacional: o
café.
Naquele solo, considerado por meu avô
como sagrado, tiraram o sustento sob um trabalho duro e muito sofrido, até que,
em um tempo razoável, conseguiram comprar pedaços de terra do fazendeiro e ter
o seu próprio plantio.
O menino Tonella, naquela ocasião, teve
sua atenção despertada para a montagem de um carro de boi que se fazia em um
depósito cujas sacas de café seriam levadas para o embarque nas ferrovias,
puxada pela saudosa “Maria-Fumaça”. Ali ficava horas e horas observando o
trabalho dos carpinteiros. Quando chegava em casa, recebia as reprimendas dos
irmãos porque não ia para a lavoura, mas, como era o mais novo, eles entendiam
e faziam a sua parte.
Ele ficou compenetrado naquela
construção, aprendendo os mecanismos do funcionamento e também a lida com as
parelhas de bois que iam sendo atreladas para o transporte de sacas de café da
colheita. Não demorou muito, foi promovido a “carreiro” que é nome que se dá
para o condutor do conjunto.
Sob muita emoção, ele contava essas
histórias que o menino Toninho (neto) ouvia com muita atenção e fazia inúmeras
perguntas. Dizia que para o carro “cantar” tinha que apertar o eixo e engraxar,
com um pincel, com banha de porco ou azeite que ficava no azeiteiro, dentro de
um chifre de boi, carregado pelo irmão mais velho de apelido “Anduim”, que
Tonella considerava como se fosse um pai.
O “canto” do carro era uma grande
atração; quando entrava na cidade, aglomerava muita gente pela curiosidade de
ver quem estava chegando e ouvir as “novidades”. Mais para a periferia, no
Distrito, o chamado Banharão - terra que me viu nascer - a cantiga ia atraindo
especialmente as moças que corriam para a porta das casas, e os condutores,
Tonella e Anduim, sorriam e acenavam com o chapéu.
E assim, com gritos de “comandos”, os
bois iam à marcha rápida para o destino. Segundo ele, gostava de trabalhar com
boi “malhado”; era mais manso e de fácil aprendizado.
O trabalho de amansar era feito aos
poucos, com uma “canga” no pescoço, para o peso ser puxado por igual, e assim
podia trabalhar por muitos anos, se fosse bem cuidado.
Ele ficava com muita tristeza quando
falava sobre a aposentadoria de um boi.
“Quando o animal já estava velho e
não aguentava mais puxar o carro e outros serviços, tinha que levar para o
curral do matadouro... Dizia também que o velho boi pressentia a proximidade da
morte e até lágrimas corriam dos olhos”.
Outra história que o Velho Tonella
contava muito animado era sobre o namoro com Dona Santa (minha avó).
“Quando a gente passava de proposito
com o carro de boi na rua que ele morava, já estava na janela da casa sorrindo
e acenando, era o sinal de que a gente ia se encontrar”.
O carro de boi foi, para a família
Vendramini daquela época, um marco produtivo de crescimento. Foi o principal
meio de transporte utilizado para movimentar a produção das fazendas e das
cidades. Entretanto, o aparecimento das tropas de burros - do qual meu avô foi
um dos pioneiros em Jaú e, tornou-se muito conhecido por dotá-los de destreza
no trabalho de tração - substituiu com mais velocidade o transporte das sacas
de café, levando-as à estação de trem e de lá, através da Maria-Fumaça, para os
navios no porto de Santos.
Mais adiante, na vida dele, vieram os
cavalos, fazendo a alegria de muitas pessoas com o treinamento que lhes dava
para que se apresentassem em espetáculos rurais, corridas, terreiros e shows
circenses.
Com muita emoção, concluo que o carro de
boi acompanhou as mudanças, o crescimento e o progresso das cidades e das famílias.
Hoje, ele é apenas uma lembrança do passado de uma geração, que vai se
acumulando em nossas memórias e na desse nosso país.
Felizmente, pelo seu valor cultural, o
carro de boi ainda é homenageado em diversos festivais e encontros, onde bravos
remanescentes daquela época se reúnem para contar “causos” desse meio de
transporte rústico e, agora, simbólico do meio rural brasileiro.
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