terça-feira, 6 de maio de 2014

PERDEU A CABEÇA

Texto de Carlito Lima

- Não esqueça de comprar os euros da viagem - lembrou Tereza ao marido, ao vê-lo sair no início da tarde.
O casal de sessentão aposentado viaja pelo menos duas vezes durante o ano, boa situação financeira, aproveita a vida.  Dessa vez, realizando um sonho, conhecer a belíssima Europa Oriental, antes passando por Paris, a cidade mais bonita do mundo, segundo Tereza. Ela, organizada e metódica, já havia arrumado as malas, checado passagens, passaportes, voucheres, faltando ainda uma semana para a viagem.
Armando toda tarde encontra-se com amigos no shopping, jogando conversa fora; naquela quarta-feira ele saiu mais cedo, passaria no hotel, comprar euros. Era pouco mais de duas da tarde quando a moça da loja de câmbio vendeu-lhe 4.000 euros, colocou-os cuidadosamente dentro de um envelope. Depois de conferir, Armando dobrou o envelope, enfiou no bolso da calça.
Na saída do hotel, uma jovem, aparência simplória, chegou-se perto perguntando com sotaque sulista onde ficava o Mercado de Artesanato. Ele explicou, qualquer taxista pode levar. Armando pensou, gentil, ofereceu-lhe uma carona, ia para aquelas bandas. Atravessaram a rua, entraram no carro. A moça agradeceu a gentileza sorrindo, ele percebeu o decote generoso da gaúcha, o sangue ferveu-lhe na veia. Simpática, Marianne conversou bastante, hospedada com duas amigas no hotel, veio para o Congresso de Enfermagem. Adorou as praias, a cidade, o povo hospitaleiro, ficava até domingo. Pena não dar para conhecer todas as praias.
Ao chegar na Feirinha de Artesanato da Pajuçara, Armando freou o carro. A jovem olhou-o, perguntou se gostaria de dar uma volta, mostrar-lhe as praias, já que ele não trabalhava mais. Armando, encantado com a moça, aceitou a sugestão. Partiram para o Litoral Norte, conversando, sorrindo, em vez em quando Marianne soltava uma piadinha provocativa, segurando de leve na mão do coroa.
O cicerone improvisado mostrou as praias, Jacarecica, Guaxuma, Riacho Doce, Ipioca, ela fotografava tudo, desenha seu nome na areia, deixava o mar apagar. Em Paripueira sentaram numa barraca beira-mar, cervejinha gelada, peixinho de tira gosto, conversa descontraída. Certo momento Marianne segurou a cabeça de Armando com as duas mãos, olhou nos olhos, beijou-lhe a boca; ele abocanhou a gaúcha, perdeu a cabeça.
Eram quatro e meia quando retornaram. Ao passar pelos motéis de Jacarecica, Armando segurou a mão da moça, puxou a direção para direita, entrou num motel. Embaixo daquele simples vestido havia um corpo em erupção, a gaúcha era um vulcão, aconteceu uma bela e voluptuosa tarde de amor, inesperada. Ao entardecer ele deixou Marianne na Feirinha de Artesanato, marcou encontro, dia seguinte às 15 horas na entrada do hotel. O sessentão partiu alegre lembrando os carinhos quentes da jovem, loucura também é preciso, pensava.
Entrou em seu belo apartamento, Tereza estava na Academia, ao tirar a roupa sentiu a falta do envelope, colocou a mão no bolso, percebeu, tinha sido roubado, veio-lhe a imagem da gaúcha com cara de menina tola. Desceu no elevador, dirigiu ansiosamente até o hotel. Na portaria perguntou por Marianne, uma hóspede, jovem, gaúcha, fazendo o Congresso de Enfermagem. A atendente procurou no computador, não havia essa hospede. Armando fulo de raiva, retornou ao apartamento, sem fazer B.O. (Boletim de Ocorrência) na Delegacia de Roubos e Furtos, denunciaria sua aventura, sua traição.
Ao chegar em casa, Tereza tomava banho, foi perguntando.
- Comprou os euros, Armando?
O marido respondeu, pensando no golpe de Marianne:
- A loja de câmbio do hotel só abriria ás 3 horas, eu fui ao shopping fazer hora, conversa boa, me divertindo com os amigos, quando passei no hotel novamente já havia fechado o câmbio, amanhã eu compro, logo cedo.
- Você não toma jeito, é a velhice chegando. Qualquer dia perde a cabeça na rua!
- Perdi a cabeça, é verdade; na transa mais cara do mundo - disse para si mesmo.

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