Texto de Carlito
Lima
Seu Rodolfo acordou-se quatro da manhã na cama de
colchão de palha, enlaçou Zefinha pelas pernas, falou ao ouvido:
- Está na
hora.
Enquanto a esposa dirigia-se à cozinha preparando
café, macaxeira, inhame, peixe frito, Seu Rodolfo dirigiu-se à casinha (o banheiro
sanitário construído no quintal das casas, chamava-se casinha), depois de
ter-se aliviado, pegou um pedaço de jornal, limpou-se, jogou fora o jornal datado
da época (1942), sem ler a manchete impressa, "Submarino alemão visto em
praias do Nordeste pode atacar o litoral brasileiro". Depois do café pegou
um saco de carne do sol, farinha e banana, outro com linhas, anzóis, peixes de
isca, colocou a tarrafa no ombro, saiu de casa no bairro boêmio de Jaraguá caminhando
até a praia, ouvia ao longe músicas de amor dos cabarés retardatários. Perto do
Bar da Tartaruga junto aos trapiches, deixou as sacolas na jangada, foi ao bar,
cumprimentou outros colegas, nas mesas alguns boêmios, prostitutas com lábios
manchados pela noitada. Rodolfo tomou café com o compadre Moacir, dono do Bar.
Ao sair o amigo desejou boa pescaria. Seu Rodolfo desamarrou a jangada colocou
dois rolos de coqueiro por baixo, foi empurrando a jangada até entrar na água.
Subiu a vela de pano branco parecendo um ritual militar. Molhou o pano com água
salgada, tomou o remo como leme, navegou a jangada qual cisne branco em noite
de lua, mar adentro. O sol vermelho apareceu como se fosse uma cabeça de
criança nascendo, alaranjou as nuvens, o mar tornou-se azul. A vista de Maceió ao
longe era apenas uma fileira de casas pequeninas. Seu Rodolfo dirigiu a jangada
a um local onde havia bons cardumes, conhecia cada canto do mar. A bússola era
o olhar e a direção do vento, sabia navegação empiricamente, aprendeu com a
vida no mar desde cinco anos, seu pai foi exímio pescador.
Seu Rodolfo, em torno dos 50 anos, pele encardida,
parecia mais velho, a vista anuviada pela constante exposição ao Sol. Amava o
mar, alegrava-lhe seu trabalho, cada peixe puxado uma vitória da arte da pesca.
Retornava por volta das três da tarde, tratava o peixe com peixeira no Bar da Tartaruga,
colocava os samburás no ombro, caminhava gritando na Avenida da Paz, "peixe fresco", "olha o camorim", "carapeba". Seu Rodolfo tinha boa freguesia,
inclusive minha mãe. Era amigo da família.
Naquela manhã a sorte estava a seu lado, ainda não era
meio dia os caixotes da jangada estavam lotados, xaréu, arabaiana, bijupirá,
carapeba, garassuma, pescados por linhas jogadas ao mar e tarrafas. De repente
ele sentiu um puxão em uma linha, alegrou-se, pensou, peixe grande. Deu mais
linha para cansar o peixe, logo depois puxava, era preciso paciência, astúcia
para brigar contra o enorme peixe, sentia pelo puxão, duas horas depois
continuava a briga do peixe grande com o velho Rodolfo. O cansaço chegou em
ambos os lados, Seu Rodolfo estava atrasado em sua tarefa diária na cidade,
entretanto, nada lhe abalava, preferia a luta com o peixe grande. Com imensa força,
depois de muito tempo, puxou o peixão para cima da jangada, ainda se batendo.
Rodolfo ficou contemplando, embevecido, a maravilha pescada, valente peixe,
calculou 30 kg. Antes de cortá-lo, mostraria aos amigos na beira do cais.
Amarrou o peixe grande na jangada, desfraldou
novamente a vela em direção à praia. Não havia meia hora de navegação quando
sentiu uma pequena onda levantar a jangada, percebeu, alguma coisa estranha
estava acontecendo, novas ondas, o mar ficou revolto em torno da jangada. Seu Rodolfo
pensou, deve ser baleia, aparece a qualquer momento, sem medo comandava a jangada
quando inesperadamente emergiu perto um navio parecendo um enorme charuto. Seu Rodolfo
ficou na espreita, o navio-charuto depois de subir fora d'água, parou, não se
avistava ninguém. De repente uma portinhola abriu-se por cima, saíram três
homens de calção preto, pele rosada, louros como nunca havia visto. Os homens falavam,
ele não entendia. Depois de algum tempo, comunicando-se por meio de gesto, Seu Rodolfo
compreendeu, os galegos queriam trocar peixe por materiais e comidas. Com
lástima, entrou no negócio o peixe grande, o velho pescador recebeu enorme
quantidade de queijo, presunto, sapatos, botas, cigarros, encheu a jangada. Logo
depois o navio-charuto desapareceu no mar.
Após 10 anos, essa história do submarino alemão foi
contada a mim, a meu irmão Betuca e ao tio Nilo no Coreto da Avenida pelo
próprio Seu Rodolfo, calçado com bota alemã.
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