Texto de Carlito
Lima
Rosinha, filha da lavadeira Rosana, teve uma infância intensa,
agitada, divertida na praia de Ipioca e nos sítios da vizinhança. Jogava
futebol com os meninos, subia em coqueiro como ninguém. Popular em toda
redondeza, pela sapequice, alegria e simpatia, a conheciam por Rosinha de
Ipioca. Aos 14 anos tomou corpo de mulher, cheia de hormônio, aflorava
sensualidade pelos poros. Morena bonita, rosto arredondado, cabelos negros,
crespos, nariz meio achatado, olhos amendoados de uma vivacidade incontrolável,
lábios grossos pareciam constantemente molhados. Estudou no grupo escolar, teve
a inclinação de ler romances, contos, poesias. A jovem romântica se apaixonou
por um belo rapaz filho de um rico comerciante. Gustavo, olhos azuis, louro,
sua beleza contrastava com a beleza morena de Rosa. A atração entre os dois
terminou num quarto da mansão de praia da família. Quando souberam do
desvirginamento de uma menor, os pais receosos mandaram o galeguinho do olho
azul estudar em São Paulo. Foi a primeira decepção amorosa. Rosinha prometeu-se
jamais se apaixonar.
Levou a juventude ajudando a mãe na lavagem, nas horas vagas era
livre, cuidou-se para não engravidar. Namoradeira, os homens se encantavam com
o corpo, a beleza, a sabedoria nata na cama. Os sortudos que tiveram a ventura
de passar uma noite em seus braços relembram sempre a desbragada noitada de
amor. O frescor da boca de Rosa ficou impregnado na mente, no hálito, de quem
experimentou. Ninguém, jamais esqueceu um simples beijo de Rosinha de Ipioca.
Certa época Beto, famoso arquiteto, separou-se da mulher. Deixou-a
com o filho no apartamento, foi morar temporariamente na casa de um amigo na
praia de Ipioca. Bruno, também separado, amigos, quase irmãos.
Numa tarde de sábado Beto tomava cerveja, acompanhado de convidados
na varanda da casa, teve a alegre surpresa quando entrou aquela jovem com
trouxa de roupa na cabeça. Rosinha abriu a portinhola da frente sorrindo.
- Bruno! Brunoca, olha a
roupa limpinha pra você sujar de novo!
Seu sorriso enfeitiçou o novo morador. Beto acompanhou Rosa, ajudou
a colocar a trouxa na cama. Rosinha ficou encantada com a gentileza daquele
homem educado, bonito, e gentil, uma raridade entre seus conhecidos. O
arquiteto acertou lavagem de suas roupas.
Três semanas depois desse fato, Beto e Rosinha já dormiam juntos
nos alvíssimos lençóis lavados e passados por Rosinha e Rosana. Foi a melhor
época da vida Beto. Toda manhã ele ia trabalhar no seu escritório de
arquitetura no centro da cidade, chegava à noite na casa de Ipioca, ansioso em
ter Rosa em seus braços. Vida encantadora, sem preconceitos, sem temores, sem
uma esposa impertinente e cobradora. Aliás, houve preconceito. Beto durante o
amor quis virar o disco, pediu para Rosinha deitar de bruços, entretanto, Rosa
tinha verdadeiro pavor, medo da dor, fazia tudo que quisesse, menos aquilo. Ele
respeitou sua determinação. Rosa percebeu frustração em Beto pela recusa. Na
sexta-feira quando o arquiteto chegou do trabalho ávido em carinhos de seu
amor, Rosinha estava acompanhada de uma morena bonita tomando cerveja na
varanda da casa. Apresentou Gabriela com
um sorriso maroto. Quando pôde, cochichou no ouvido:
- Você não gosta atrás? A
Gabi adora. Eu lhe trouxe de presente. Não me importo.
A partir desse dia Beto dormiu com as duas. Passou mais de um ano
bígamo, aliás, ele dizia estar num paraíso, num sonho; interrompido quando
viajou para um curso de quatro meses na França.
Como quem vai pro ar perde o lugar, ao voltar, Rosinha havia se
casado, já morava em Munique.
O romance de Rosa iniciou numa festa. Alguns amigos foram para casa
de um simpático alemão apaixonado por Alagoas, morador e curtidor da praia de
Ipioca, era também festa de despedida, o alemão estava voltando para sua terra.
Kurt quando foi apresentado à Rosinha não só ficou encantado, disse para si
mesmo, aquela jovem era o amor de sua vida, apesar da diferença de idade. Dois
meses depois ela viajou de mala e cuia para Munique; casaram-se. Nesses últimos
anos Rosinha teve uma filha, e passa dois ou três meses por ano em Maceió
matando a saudade da terra, da mãe e da avó que hoje moram num confortável
apartamento.
O destino fez com que o alemão recentemente comprasse uma enorme
casa à beira-mar em Ipioca, exposta à venda por um decadente comerciante, a mesma
mansão do desvirginamento. Está passando por reformas. A família de Kurt virá
curtir o verão na praia de Ipioca em sua nova casa. O projeto da reforma e a
administração da obra foram entregues a um amigo de Kurt, padrinho da filha,
Heidi, e ex-amor de Rosinha, Beto, o arquiteto, que semana passada me contou a
história de amor de Rosinha de Ipioca.
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