
Jaciara, bela e exótica cafuza, cabelos negros escorridos,
rosto redondo, olhos agateados, lábios carnudos e encarnados, era conhecida
como Índia, morava com o pai, cortador de cana, pobre e analfabeto, sem
perspectiva de vida melhor. A mãe fugiu com um motorista de caminhão, arribou pela
estrada afora, tornou-se prostituta estradeira. O pai, de tanto desgosto,
começou a beber muito, não aparecia para cortar cana, o capataz da fazenda ameaçou-lhe
tirar a casa de taipa. Sem deixar a cachaça, terminou morrendo. A menina Jaciara
ficou só no mundo. Aconselhada por amigas, foi tentar sobreviver na capital. Procurou
de casa em casa até arranjar trabalho de empregada doméstica. Tinha disposição,
fazia uma faxina caprichada agradou à patroa. Acontece que sua sensualidade e
beleza agradaram ao patrão, aos dois filhos e até ao pai do patrão, o avô. O
bom velhinho quando olhou a índia pensou que ainda era moço e tentou. Jaciara tinha
prometido ao pai casar virgem. Para cumprir a promessa e evitar o assédio dos
quatro machos da casa, após cinco meses de trabalho, sem comunicar a patroa,
largou o emprego, tinha apenas 17 anos.
Sem ter para onde ir, ficou sentada na orla olhando o mar,
com uma maleta no chão. Nessa tarde conheceu Cícero, um homossexual que, com
pena, levou-a para sua casa, pediu a mãe para dar guarida até arranjar emprego.
Na casa de Cícero não se podia pagar empregada. Jaciara fez alguns trabalhos em
troca da comida e dormida. Difícil uma analfabeta achar emprego.
Certo dia uma vizinha, ao vê-la, aconselhou:
- Menina você é muito bonita,
os homens lhe desejam, vá ganhar dinheiro no cabaré.
- Eu sou virgem, disse Jaciara.
- Sua virgindade vale
ouro, muito coronel pagaria um dinheirão para tirar-lhe o cabaço.
O Cão, o Belzebu, ficou atentando o juízo de Jaciara. Numa
noite, procurou a vizinha, pediu para levá-la à zona. Ao chegar à Boate São
Jorge, bairro boêmio de Jaraguá, subiram a íngreme escada, Jaciara empolgou-se
com a beleza do salão. O dono, Mossoró, o rei da noite, chegou perto, a amiga foi
falando:
- Pai Velho, olhe o
presente que trouxe para você, essa bela índia.
Aproximou-se, cochichou no ouvido:
- É virgem...
O negrão, conhecedor profundo da alma boêmia, interessou-se
por Jaciara, o fato de ser virgem, deixou-lhe empolgado. Havia quem desse um
bom dinheiro por aquela jovem. Mandou-a esperar. Jaciara estava deslumbrada com
a música do conjunto, a alegria da casa, os pares dançando no salão. O “Pai
Velho” levou-a ao escritório, um quarto especial. Deu alguns trocados para
amiga e despachou-a, ficou com Jaciara, era todo sorriso, simpático, passava
confiança às meninas, adorado pelas raparigas. Fez algumas perguntas à índia.
De repente, pediu-lhe para tirar a roupa. Jaciara desabotoou os laços nos
ombros, o vestido de chita caiu no chão, desabrochou a beleza seminua da jovem,
o “Pai Velho” encantou-se. Se não fosse virgem, ele seria o primeiro, contudo,
aquela virgem valia ouro.
- Você vai passar
alguns dias só aparecendo no salão, tome dinheiro, compre três vestidos, toda
noite fique bem bonita se mostrando de mesa em mesa, não vá para o quarto com
ninguém, diga que é virgem, eu vou arranjar alguém especial para lhe tirar a
virgindade, depois fica trabalhando na boate.
Toda noite Mossoró anunciava o leilão da virgem Jaciara no
dia do Show de Reinaldo, uma trupe divertida de travestis, e inauguração da luz
negra no salão.
Na noite marcada, a boate estava cheia; políticos,
coronéis, usineiros, reservaram mesa. Foi uma das maiores festas na história do
bairro boêmio de Jaraguá. Um rico fazendeiro arrematou a índia no leilão. Colecionador
de cabaços, ele usava um colar: cada conta, uma virgem sacrificada. Pagou uma
fortuna por Jaciara. Depois, não houve outra alternativa, ela continuou sua
vida no cabaré.
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