
Os vizinhos se conheciam, havia
casamento entre eles, era como fosse uma só família. Augusta era a moça mais
bonita da redondeza, 16 anos, filha de Seu Augusto, estivador, homem forte e
rude. Ele ficava de olho naqueles que admiravam a beleza de sua alegre filha.
Menina sapeca, trepava em árvore, corria na praia, faceira, a todos encantava.
Mas só um ela se agradava, Gumercindo, jovem espadaúdo, tomou corpo de homem
com 18 anos, forte musculatura, corpo foi forjado carregando sacos de açúcar no
cais do porto, tornou-se embarcadiço. Os pais de Augusta permitiram o namoro.
Era do gosto das duas famílias.
Certa tarde de domingo, uma
pequena patrulha da Força Policial, comandada pelo Cabo Sobral, fazia ronda na
Praça da Recebedoria. Quando o cabo viu a moça de roupa domingueira,
encantou-se, ficou deslumbrado com a beleza de Augusta. Todo domingo o cabo
admirava a menina de seus sonhos passando para missa na Igreja Nossa Senhora
Mãe do Povo. Certo dia ele se apresentou e falou com o pai da moça. Não se
conformou em saber que a bela Augusta estava comprometida com um embarcadiço.
Não admitia uma negativa, era quase proposta de casamento, ele um cabo da Força
Policial, autoridade, de tradicional família (sua família deu nome à belíssima
praia do Sobral, continuação da Avenida da Paz).
No dia 10 de janeiro havia a
festa de Bom Jesus dos Navegantes. As embarcações flutuavam, singravam na
enseada da praia da Avenida, cada qual com sua decoração, muitos fogos, muita
alegria. À noite a festa se prolongava na Praça da Recebedoria. Colocavam
tendas para leilões, bingos, tablados onde se dançava e jogava. Improvisavam
bares servindo cachaça tira-gosto para animar a moçada.
Nas casas eram organizadas
festas particulares frequentadas pelos vizinhos e convidados. Gumercindo havia
chegado de Penedo numa barcaça. Os amigos encheram a festa na casa de Augustão,
pai da menina mais bonita da cidade.
O Cabo Sobral, ao longe,
assistia à animação na casa de Augusto, ficou com ciúme e despeito quando viu
pela janela Gumercindo dançando o coco com a amada Augusta na maior felicidade.
O Cabo, bêbado, com mais três policiais, tentou entrar na casa de Augusto,
foram barrados na porta por Simplício, irmão do dono da casa. O cabo quis
alterar, apareceram alguns estivadores, ele recuou. Depois de certo tempo, o
Cabo Sobral, conhecido arruaceiro, retornou com mais cinco policiais. Foram
rechaçados por braços e pontapés, a briga generalizou-se. Uma peixeirada deixou
um policial morto estirado na rua.
Cabo Sobral e seus homens
bateram em retirada. Ao retornar ao quartel armou mais de 20 soldados, fez um
discurso incitando vingar o companheiro assassinado pelos estivadores. Montados
a cavalos galoparam até a praça atropelando e atirando em quem estivesse pela
frente. Os donos das casas pularam muro, fugiram da sanha dos policiais. Na
casa de Augusto, todos dispersaram. Dois músicos ficaram guardando seus
instrumentos, foram fuzilados. Na praça, os ambulantes que nada tinham a ver
com a história correram para o interior da Igreja Nossa Senhora Mãe do Povo. Os
soldados do Cabo Sobral entraram, atiraram em todos inocentes, não ficou um
vivo.
No dia seguinte o governador
soube da chacina, estava escandalizado, entretanto, permitiu que os cadáveres,
mais de 30, fossem ajuntados em carroça de bonde, e enterrados numa vala comum
no cemitério de Jaraguá.
Nenhuma notícia foi publicada em
jornais, não houve um registro sobre a ocorrência. Até a Igreja foi conivente
para abafar o caso, determinou a interdição do templo católico. A Igreja Nossa
Senhora Mãe do Povo da freguesia de Jaraguá ficou fechada por mais de 20 anos.
Mas o povo, os moradores do bairro de Jaraguá não esqueceram, ainda hoje, por
tradição oral, os netos e bisnetos de Gumercindo e Augusta contam a história do
massacre de Jaraguá.
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