Texto de Carlito
Lima
Início dos anos 60 entrei em férias sonhadas, no
paraíso, Maceió. Cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, éramos
convidados para todas as festas na mais alta burguesia alagoana. Certa vez,
acompanhado do colega, cadete Rocha, fui me divertir num 15 anos de uma jovem
rica numa mansão na Pajuçara. Jovens dançavam no imenso salão iluminado por
vistoso lustre. Rocha havia recebido um
convite formal, como chovia, além de fardado, levou a pelerine - capa longa, azul
escuro, usada como integrante do uniforme do cadete, cobre os ombros e a parte
superior do corpo, com fendas para os braços.
Quando a orquestra tocou “Blue Moon” o cadete Rocha
avistou uma bela jovem no canto da sala, olhares insistentes. Num impulso
irresistível levantou-se em direção à moça, único vestido preto naquela festa.
Aproximou-se, antes de convidá-la para dançar, ela sorriu-lhe, falou baixo,
estava lhe esperando. Juntaram seus corpos rodopiando o salão com um abraço
apertado. Os dois se olhavam como se uma paixão momentânea houvesse surgido.
Certo momento ele perguntou seu nome. Ela
respondeu, Carolina, disse ser a melhor amiga de Naná, a aniversariante. Rocha
também se apresentou, se gabou, no final do ano formava oficial do Exército na
Academia Militar das Agulhas Negras. Ela, apertando-lhe mão com a mão fria, “Eu
já sabia!”
O cadete ficou impressionado, a jovem conhecer
parte de sua vida. Contou histórias das Escolas Militares. Ela bastante
interessada, juntaram os corpos, assim ficaram dançando, mudos, apenas se
afastando algumas vezes para se olharem. Caso de paixão fulminante. Rocha
sonhava, só percebeu onde estava quando a música parou por um momento.
Dançaram muito, conversaram pouco. Certa hora,
Carol falou, devia ir para casa, tinha que chegar antes da meia-noite,
promessa. O cadete gentil e interessado, ofereceu-se para levá-la. Na saída da
mansão apanhou a pelerine. Como a chuva era intensa, num gesto elegante Rocha
cobriu sua companheira com a pelerine protegendo-a da chuva, correram em
direção ao ponto de ônibus.
Tomaram o “Ponta da Terra–Trapiche da Barra”, o
ônibus quase vazio. Sentados no banco conversaram como se conhecessem há muitos
anos.
Quando passava pela Avenida da Paz, Rocha puxou o
rosto de Carolina, deu um beijo ardente em seus lábios frios. De repente
percebeu, ela chorava. Continuaram aos beijos e abraços durante o resto do
percurso.
Perto da praça da Faculdade de Medicina, Carolina
tocou a campainha, o ônibus parou, eles desceram. Ela pediu para não
acompanhá-la, morava perto, no dia seguinte devolveria a capa preta, aliás, a
pelerine azul escuro.
O cadete Rocha seguiu seus passos com o olhar até
desaparecer na esquina, na escuridão da rua, no oitão do Cemitério Nossa
Senhora da Piedade.
Pela manhã o cadete apaixonado acordou-se com a
figura de Carolina gravada na cabeça e no coração. Só não lembrava onde havia
marcado encontro com aquela bela e estranha moça.
Sete horas da noite Rocha caminhava, procurava a
amada na praça da Faculdade. Ficou a olhar os passantes em busca de um vulto
parecido com sua amada. Perguntou a algumas pessoas se conhecia Carolina. Até
que uma moça se assustou quando indagada, informou que ela havia morado naquela
casa, apontando para um bangalô.
Rocha se encheu de coragem, bateu à porta. Atendeu
uma senhora com aparência triste. Ficou assustada quando o rapaz perguntou se
ali morava Carolina.
A velha mulher sentou-se numa cadeira da varanda,
perguntou quem era o rapaz. Ele disse ser amigo de Carolina, se conheceram no
dia anterior, tinham marcado para se encontrar naquela noite na praça.
O cadete Rocha arrepiou-se do dedo do pé aos
cabelos, quando a triste senhora respondeu, no dia anterior havia feito um ano da morte de sua filha Carolina
num desastre de carro. Entraram na casa, Rocha teve um ataque de choro ao ver o
retrato de sua namorada com uma tarja negra cortando a foto em uma das pontas.
Resolveram visitar o cemitério. Entraram pela alameda principal, desviaram para
direita onde estava a sepultura de Carolina. Ao se aproximarem, perceberam ao
longe, a pelerine, a capa preta, aberta cobria o túmulo. Se emocionaram, se
abraçaram chorando. Ficaram no cemitério até a meia-noite quando os portões se
fecharam.
Essa história tornou-se lenda, há quem diga ter
visto o vulto de mulher, vestida de preto rondando o cemitério. No bairro do
Prado, onde fica o cemitério, sempre alguém conta casos do vulto de preto. A
história tornou-se tão forte que o carnavalesco Marcos Catende fundou o Bloco
da Mulher da Capa Preta, sai todo carnaval na maior animação, um dos blocos
mais animados de Maceió. Tem história.
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