quarta-feira, 8 de junho de 2016

EU TIVE QUE ACEITAR

Texto de Silvia Schmidt

Eu tive que aceitar que meu corpo nunca fora imortal, que ele envelhecerá e um dia se acabará.
Eu tive que aceitar que eu viera ao mundo para fazer algo por ele, para tentar dar-lhe o melhor de mim, deixar rastros positivos de minha passagem e, em dado momento, partir...
Eu tive que aceitar que meus pais não durariam para sempre e que meus filhos, pouco a pouco, escolheriam seus caminhos e prosseguiriam sua caminhada sem mim. Eu tive que aceitar que eles não eram meus, como supunha, e que a liberdade de ir e vir é um direito deles também.
Eu tive que aceitar que todos os meus bens foram me confiados por empréstimo, que não me pertenciam e que eram tão fugazes quanto fugaz era a minha própria existência na Terra. Eu tive que aceitar que os bens ficariam para uso de outras pessoas, quando eu já não estiver por aqui.
Eu tive que aceitar que varrer minha calçada todos os dias não me dava nenhuma garantia de que ela era propriedade minha e que varrê-la com tanta constância era apenas um fútil alimento de que eu dava à minha ilusão de posse.
Eu tive que aceitar que o que eu chamava de “minha casa” era só um teto temporário que, dia a mais dia menos, seria o abrigo terreno de outra família.
Eu tive que aceitar que o meu apego às coisas só apressaria ainda mais a minha despedida e a minha partida.
Eu tive que aceitar que meus animais de estimação, a árvore que eu plantei, minhas flores e minhas aves eram mortais. Eles não me pertenciam! Foi difícil, mas eu tive que aceitar.
Eu tive que aceitar as minhas fragilidades, os meus limites, a minha condição de ser mortal, de ser atingível, de ser perecível. Eu tive que aceitar para não perecer!
Eu tive que aceitar que a vida sempre continuaria, com ou sem mim, e que o mundo em pouco tempo me esqueceria. Eu me rendi e aceitei que eu tinha que aceitar. Aceitei para deixar de sofrer, para lançar fora o meu orgulho, a minha prepotência e para voltar à simplicidade da Natureza, que trata a todos da mesma maneira, sem favoritismo.
Humildemente eu ti confesso que foi preciso eu fazer cessar umas guerras dentro de mim. Eu tive que me desarmar e abrir meus braços para receber e aceitar a minha tão sonhada paz!

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