Minha memória é recheada de pessoas com quem convivi ou
simplesmente conheci, tornaram-se inesquecíveis. Uma delas foi Piu-piu, um
maceioense elegante, constantemente trajando paletó arrumado, de fazer inveja a
lordes ingleses.
Eu tinha meus 10 anos de idade, meu pai costumava levar os filhos
homens para o centro da cidade ao fim da tarde para tomar uma cerveja com
amigos no Bar Colombo, o ponto de encontro de intelectuais, escritores, boêmios
e outros desocupados. A meninada se fartava de sanduíche, pão francês, fiambre
e queijo do reino acompanhado de um saboroso caldo de cana moída na hora. Toda
tarde a Rua do Comércio se apinhava de gente, moças acompanhadas das mães
fazendo compras nas casas comerciais, figuras da cidade apenas passeando.
Encontravam-se nos bares, lojas e no Cinearte (depois São Luiz).
Uma dessas figuras ficou-me inesquecível pela elegância e tamanho,
forte e falastrão, conhecido como Piu-piu. Impecavelmente vestido, todos os
dias ele aparecia de jaqueta (blazer) com botões dourados, calça bem passada,
uma bota preta de cano longo completava a vestimenta. O charuto dava um ar de
esnobe ao comerciante. Piu-piu apesar de trajes tão distintos vivia de um
pequeno comércio, venda e compra de antiguidades, objeto de artes, ouro, prata
e joias. Dava para sustentar a pequena família e seu inigualável guarda-roupa.
O antiquário além de se vestir bem, era esmerado na arrumação pessoal. Cabelos
impecavelmente penteados com brilhantina Glostora, barba bem feita. O bigode denso,
digno de um príncipe hindu ou de um kaiser alemão, grosso, bem frisado, as
pontas de curvas perfeitas faziam meia lua subindo como se apontasse para o
céu. Diziam que o bigode do Piu-piu era frisado por ferro de engomar.
Nosso herói morava no bairro do Prado, mas vivia no centro da
cidade. Além das túnicas ele aparecia de
chapéu Panamá, as mãos reluzentes de anéis de todos os tipos, seus dedos eram
dourados e brilhantes. Na Rua do Comércio, impreterivelmente às 14 horas
desfilava sua elegância e pretensa arrogância, pois se dizia brigador, disposto
a qualquer luta. Andava armado, punhal e revólver.
Seu bigode era atração, ele tinha uma verdadeira adoração na
manutenção daqueles dois tufos intocáveis. Ficou contrariadíssimo quando
jovens, estudantes, colocaram o apelido de Piu-piu, "Bigode de Arame". Muitas vezes correu atrás de estudantes que gritavam “Bigode de Arame”, empunhando o punhal, levava sempre na cintura, por baixo do paletó.
Contavam-se muitas histórias da vida de Piu-piu. Um fato marcante ficou
na história de Maceió, comentado por muitos anos nas rodas do Bar Colombo. Fato
brilhantemente contado pelo historiador Félix de Lima Júnior no livro Maceió de
Outrora.
Nos anos 30/40, Maceió vivia um intenso momento intelectual,
moravam na cidade e se reuniam no Bar Colombo, os escritores, Graciliano Ramos,
Jorge de Lima, Manoel Diegues (pai do Cacá Diegues), Raquel de Queiroz, Lêdo
Ivo, José Lins do Rêgo, Arnon de Mello, Aurélio Buarque de Holanda, entre
outros. Por outra parte o Estado de Alagoas vivia um momento de intensa intriga
política, o que nunca foi novidade. Dois grupos políticos se digladiavam: O do
Senador Fernandes Lima, de quem Piu-piu era amigo pessoal, ligado e defensor; e
o grupo do austero governador Costa Rego, homem duro, apesar de seu amor e
pendor às artes, tratava os inimigos com repressões constantes.
Certa tarde na Rua do Comércio o nosso valente Piu-piu disse não
ter medo de ninguém, nem mesmo do governador e destemperou impropérios,
atacando o governador Costa Rego em um discurso improvisado nos arredores do
Bar Colombo.
Dois dias depois ele estava parado em frente ao Relógio Oficial,
quando cinco homens desceram do bonde vindo de Jaraguá. Dois deles derrubaram
Piu-piu, outros dois seguraram pelos braços e pernas, e o último homem com uma
tesoura foi cortando, arrancando o suntuoso bigode, fio por fio, sem que o
valente Piu-piu desse qualquer gemido. Não deu um pio. Os amigos não acudiram,
ficaram com medo daquela briga, 5 contra 1. A polícia chegou quando o serviço
acabou. Arrancaram o bigode mais famoso do Estado. A região do lábio superior de Piu-piu ficou
deformada. Ele só voltou a frequentar o Bar Colombo muito tempo depois, quando
conseguiu regenerar seu bigode de arame. Tornou-se herói.
A rapaziada do Liceu Alagoano aproveitou o fato para versejar e
cantou seus versos no Comércio: “O navio apitou... A canoa virou... O bigode
do Piu-piu... Marroquim arrancou”.
Piu-piu, Marcolino Ribeiro da Silva, morreu aos 98 anos em Maceió
no dia 5/3/65.
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