sábado, 18 de junho de 2016

PERMITA-ME ENVELHECER

Texto de Daniela Casabona Velludo

Todos nós vivemos num tempo em que não é permitido sentir o tempo passar. Numa doentia corrida à permanência do que não tem volta, acreditamos ingenuamente que poderemos conter a força dos dias sobre nossos ombros e tentamos, a todo custo, eternizar nossa juventude.
Permita-me envelhecer em paz, com a satisfação de saber que o que foi vivido se bastou, permaneceu no eterno. Não me leve, Senhor, à dependência daquilo que já passou, tornando-me água parada quando em essência sou rio. Que nenhuma paisagem cause demasiado deslumbramento, para que eu não me demore mais do que o necessário nela. Que eu aprenda a levar dentro de mim a beleza do mundo, sem que eu me torne sua escrava querendo desesperadamente repetir o único pelo medo do desconhecido. Que a paz que eu carrego no peito seja a grandeza de se viver por inteiro, abrindo espaço para o novo.
Permita-me envelhecer acompanhada de meus pensamentos. Deixa-me divagar em minhas próprias conclusões e buscar a verdade quando a verdade que me servia já não me serve mais. Quero semear as planícies do meu pensamento com as sementes que eu bem entender, sem permitir ser colonizada por ideias repetidas e paranoicas de quem se esqueceu do prazer de se pertencer a si mesmo e deixou-se invadir por interesses alheios. Quero viver as estações do pensamento maduro e me renovar a cada ciclo, sem me sentir intimidada por não acreditar mais, por virar as costas deixando de ouvir tanta besteira, só por educação.
Permita-me envelhecer nas emoções dos meus próprios sentimentos e não ser obrigada a ouvir a música inteira sem gostar do ritmo. Livrai-me da necessidade de tentar sentir o que os outros sentem, só para me fazer aceita. Deixe-me apenas com meus ataques de fúria e êxtase e me poupe dos chiliques alheios que me aporrinham a alma. Que eu não tenha necessidade de acumular sentimentos encalhados, passados mal resolvidos e conflitos desnecessários. Desejo envelhecer na certeza de que sou capaz de desviar daquilo que não me alegra. Não me eleva. Não me toca. Dai-me coragem de colocar pontos finais em histórias entediantes sem o medo de ser julgada por egoísta.
Permita-me, meu Pai, envelhecer em minhas atitudes. Livre-me da necessidade de adotar cada modismo, cada clamor passageiro para que eu possa permanecer com meus pequenos caprichos, mesmo que sejam incompreendidos. Que eu não tenha necessidade de aceitar a todos os convites, nem de participar de todas as conversas. Que eu tenha o privilégio de me recolher em meu mundo, e preferir estar a sós com a minha presença fazendo o que eu bem entender sem prestar contas a ninguém.
Permita-me envelhecer fisicamente. Que eu não seja afligida pelo pavor de uma humanidade que não admite a velhice, camuflando a realidade com a palavra maturidade. Lutando pateticamente contra a os sinais do tempo. Que eu saiba me olhar no espelho me sentindo bela, mesmo envelhecendo. Que eu prefira roupas confortáveis que reflitam quem eu sou ao invés de tornar-me cabide da moda, na torpe intenção de impor uma falsa superioridade nos demais. Que eu me permita descuidar da aparência deixando as mechas brancas e as unhas por fazer por mais uns dias quando tenho coisas mais interessantes com que me divertir. Que eu entenda que meu corpo e meu metabolismo jamais serão os mesmos e aprenda a estar satisfeita comigo mesma. Assim serei muito mais atraente e agradável porque quando não me aceito, também não aceito a mais ninguém.
Que eu tenha a curiosidade de saber o que vem depois. Planejar, desenhar e me libertar para viver as próximas etapas sem medo de me despedir do que passou. Quero me dar o direito de envelhecer e me sentir senhora de mim mesma. Quero entender que bobagem foi perder tanto tempo da minha vida seguindo aos outros sem chegar a lugar nenhum e que os meus pequenos gostos de menina, ferozmente podados pela hipocrisia, não eram besteira e hoje me salvaram da pequenez do mundo.
Permita-me, meu Deus, envelhecer, dedicando os meus dias a fazer aquilo que eu gosto. Que eu deixe de servir tanta gente, de ser legal com todos, atendendo caprichos em troca de aceitação. Que eu fale cada vez mais nãos quando não estou interessada e deixe de perder tempo precioso cumprindo protocolos. Que eu viva meus dias na qualidade de quem percebeu que a vida é breve demais para viver a vida dos outros. Que eu inunde minha velhice com meus sonhos de menina me entregando de coração àquilo que faço gosto.
Que eu envelheça tanto, tão bem e com tanta sorte que eu não seja pega de surpresa pela morte. Morte de me petrificar naquilo que deve ser apenas passagem para o encontro comigo mesma. E que eu renasça todos os dias na aventura de se viver, compreendendo que envelhecer é uma arte, de fino gosto, para poucos.

Um comentário:

  1. De facto Daniela(D.C.V.), "... envelhecer é uma arte,
    de fino gosto, para poucos."
    O que atrapalha um pouco é o cronograma físico-financeiro que nos é dado dispor; sobretudo quando nossas condições físicas se tornaram muito, muito demais, limitadoras. Todavia, vela à pena a arte de envelhecer...

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